Vinte e dois anos de “Hail to the Thief”, do Radiohead, e a profecia que não cessou de se cumprir
- Marcello Almeida

- 9 de out.
- 2 min de leitura
O futuro chegou, mas parece que foi o Radiohead quem o descreveu antes

Em 9 de junho de 2003, o mundo conheceu Hail to the Thief. Era o sexto álbum de uma banda que já havia redesenhado a cartografia do rock alternativo. Depois de OK Computer, Kid A e Amnesiac, parecia não haver mais nada a dizer, ou talvez tudo o que viesse depois fosse apenas sombra. O peso da genialidade já se transformava em fardo. O próprio Thom Yorke, cercado de câmeras, expectativas e colapsos, começou a enxergar o mesmo mundo que denunciara anos antes: distorcido, manipulado, incontrolável.
Mas o Radiohead fez o que poucos fariam: em vez de buscar outro milagre, olhou para dentro. Hail to the Thief nasceu como uma espécie de antídoto contra o próprio excesso — uma anti-obra-prima que, paradoxalmente, se tornou essencial. Um retorno às guitarras, ao caos humano, ao ruído das cidades. Era como se a banda dissesse: “nós também estamos perdidos”.
“2 + 2 = 5” abre o disco com o soco que resume toda a década seguinte: manipulação, conformismo e a fragilidade da verdade. Vinte e dois anos depois, a equação continua errada, e é justamente isso que a torna tão atual. Vivemos a era dos algoritmos, da pós-verdade, da informação moldada como arma. Yorke parecia já ouvir o barulho dos feeds, os discursos inflamados, a mentira travestida de discurso moral.
“Sit Down. Stand Up.” escancara nossos medos; “Sail to the Moon”, aponta como um respiro tímido em meio ao colapso do mundo moderno. “There, There” — talvez a canção mais simbólica do disco, é quase um mantra sobre a persistência: “Just ’cause you feel it doesn’t mean it’s there”. A dúvida virou dogma, e o Radiohead a transformou em poesia.
Ouvir Hail to the Thief hoje é como abrir um arquivo de advertências. O som parece mais urgente, as letras mais reais. Não é só uma coleção de canções, é um retrato da paranoia que viria a dominar tudo. E ainda assim, há beleza em todo esse caos que se forma enre uma canção e outra. Em “I Will” e “A Punch Up at a Wedding”, há uma doçura amarga, quase resignada — se é que você me entende. O disco não quer salvar ninguém, apenas revelar o desconforto de existir.
Em 2025, Hail to the Thief soa como uma crônica de um mundo que não aprendeu nada. Entre deepfakes e democracias abaladas, o ladrão do título segue sorrindo, talvez mais poderoso do que nunca. O álbum, antes subestimado, tornou-se um espelho: distorcido, mas verdadeiro.
Porque é disso que o Radiohead sempre falou, da vertigem de estar vivo quando tudo parece ruir. E, no fundo, Hail to the Thief é sobre isso: sobre continuar tocando mesmo quando o som parece não fazer mais sentido.
Vinte e dois anos depois, o disco ainda respira. E talvez seja essa a sua maior vingança.

⭐⭐⭐⭐















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