Por que ainda ouvimos Creep, do Radiohead?
- Marcello Almeida

- 14 de jul.
- 2 min de leitura
Talvez a pergunta real não seja por que ainda ouvimos, mas por que ainda precisamos ouvir?

“Creep” é uma daquelas músicas que escapa do seu tempo. Lançada em 1992, quase como um acidente, ela continua a nos rondar — mesmo que a própria banda tenha tentado exorcizá-la da discografia. Está lá, no Pablo Honey, disco de estreia do Radiohead, um álbum cru, inseguro, buscando identidade, como quem ainda não sabe muito bem onde pisa. Na época, muita gente viu o disco como uma extensão tardia do que o Nirvana e o U2 já vinham fazendo. Parecia que o Radiohead era só mais uma banda perdida no grande mar dos anos 90 — e talvez fosse mesmo. Mas Creep estava ali. E Creep ficou.
A gente ouve Creep porque ela nos pega de jeito. Porque gruda. Porque tem uma melodia que parece simples, mas embala um desconforto profundo. Uma tristeza quase doce. Ela fala de inadequação, rejeição, desejo, auto-ódio — tudo isso embalado por uma melancolia que explode em guitarras distorcidas, como se estivesse tentando se libertar de si mesma. A música virou hino pra uma geração que se sentia errada, invisível, estranha.
O mais curioso é que Creep envelheceu mal para os padrões técnicos — mas isso só a torna mais real. A música soa crua, desajeitada, com aquele grito de guitarra do Jonny Greenwood que parece querer sabotar tudo. E é justamente por isso que ela resiste. Não é uma música perfeita. É uma música que nunca cicatrizou.
Enquanto o Radiohead virou uma banda sofisticada, cheia de camadas eletrônicas e rupturas estéticas, Creep permaneceu como aquele esqueleto no armário — o passado que eles renegam, mas que o mundo insiste em revisitar. Tem algo de simbólico nisso. A gente também tenta evoluir, mudar, sair da dor adolescente, mas de vez em quando precisa voltar lá. Só pra lembrar quem a gente foi. Ou ainda é.
Ouvimos Creep porque a ferida continua aberta. Porque ainda tem dias em que a gente se sente estranho, deslocado, insuficiente. Porque o refrão ainda ecoa em voz baixa: I’m a creep, I’m a weirdo… what the hell am I doin' here?
E a resposta é sempre a mesma: você está aqui porque ainda não desistiu. Porque segue ouvindo.















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