I Quit: Amor adulto é um saco, mas alguém precisa sentir
- Caue Almeida
- há 6 dias
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Haim voltou. Mas não com a leveza ensolarada de "Something to Tell You", nem com a energia dançante de Women in Music Pt. III. Em I Quit, o trio californiano mergulha fundo nas dores silenciosas da vida adulta — e entrega seu disco mais maduro até aqui.

Haim não abandonou sua independência nem a sinceridade que sempre marcou sua rebeldia — isso continua intacto. Mas todo grupo com uma trajetória longa precisa reinventar os caminhos pelos quais transmite sua mensagem, e I Quit apresenta vários desses atalhos novos. Faixas como “Gone” surgem com vocais de apoio intensos, guitarras firmes e uma base instrumental coesa que transforma raiva em arte. É raro encontrar fúria bem articulada na música pop, mas aqui ela aparece com clareza — aquela raiva que paralisa, que nos deixa sem palavras, mas que Haim traduz em música direta, pesada e lúcida.
Há muito o que se dizer neste disco. Ele é também um lembrete de como a memória pode ser traiçoeira: romantizamos certos momentos, rejeitamos outros. A forma como lembramos muda com o tempo — e o álbum mergulha nesse vai e vem entre luto, loucura e saudade. “Down to Be Wrong” e “Take Me Back” aparecem como um par perfeito para mostrar essa dualidade. Não se trata de contradição, mas de capturar a oscilação natural das emoções quando tudo desaba.
O álbum encontra seu próprio ritmo sem pressa, quase como quem respira fundo após o impacto. Não estamos diante de uma versão musical das sete fases do luto. O fim de uma relação, e o colapso que pode vir depois, são muito mais bagunçados do que qualquer categoria. “Love You Right” entrega esse desejo cru, essa vontade de seguir mesmo sabendo que talvez não devesse.
E lá no fim, quando o álbum já se afastou de sentimentalismos, a banda se apoia em instrumentações sólidas para revisitar altos e baixos com mais distância. I Quit é um ato de afirmação, e não apenas pelo título — ele representa uma guinada sonora, um núcleo criativo mais coeso, e algumas faixas que já podem ser consideradas das melhores da carreira da banda. “Everybody’s Trying to Figure Me Out” é uma delas, exemplo claro de como o grupo amadureceu. O álbum se constrói mais em cima de fluxo e identidade musical do que de qualquer expectativa externa.
Falar sobre amor já é um clichê da música, sempre foi. O desafio é encontrar novas formas de abordar o mesmo sentimento, enxergando outras nuances nas dores e nos desencontros. Haim consegue isso com desenvoltura na maior parte de I Quit. Não estão tentando provocar choro fácil — embora “Cry” chegue perto disso —, mas sim costurando momentos de identificação que tornam essa transição sonora mais fácil de digerir tanto para fãs antigos quanto para quem está conhecendo o trio agora. Danielle, Este e Alana fazem mais do que lamentar; elas olham de frente para aquilo que foi, e a forma como isso ainda reverbera dentro delas.
O disco é completo, estruturado, um retrato honesto do processo de luto — dos buracos mais escuros até a leveza que chega, inevitável, quando tudo se acalma. Não existe isso de "bons tempos", diz a faixa final “Now It’s Time”. E talvez seja essa verdade que empurra o disco até seus limites.
O que I Quit mostra, mais do que qualquer coisa, é que o amor adulto não é feito de idealizações. É confuso, cansativo, muitas vezes dolorido — mas também vale cada segundo quando é vivido com verdade. É isso que Haim capta aqui: o amor que não se desfaz em fantasia, que não busca a perfeição, mas que existe mesmo com todas as rachaduras. Um amor que pode nos quebrar, mas também ensinar. As três soam como se estivessem exaustas da montanha-russa, mas ainda assim sem vontade de descer dela. Essa consciência percorre o disco inteiro.
Não é um álbum sobre términos, nem sobre amor em si, mas sobre o que ele faz com a gente. I Quit fala das marcas que ficam, do aprendizado que vem quando já se chorou tudo que havia pra chorar. É menos catarse, mais clareza.
No campo sonoro, o indie pop vibrante que sempre definiu o trio continua eficaz. I Quit é suave, melódico, dançante sem perder a sobriedade — com influências que vão do soul ao blues, do funk ao pós-punk, e até uma breve incursão tropical em “Lucky Stars”. Não é um disco que se arrisca em experimentos radicais, mas encontra variedade e profundidade dentro do terreno que já dominam.
A química entre elas permanece, e o baixo de Este continua sendo o alicerce sonoro da banda. Seus grooves precisos, melódicos e cheios de personalidade ainda são um dos grandes destaques — talvez o maior elo entre o som da banda e seu lado mais emocional. Haim tem uma musicalidade que sabe exatamente onde quer chegar, e isso fica evidente do início ao fim.
I Quit não é uma revolução no som do grupo, nem o disco mais ambicioso que já lançaram. Mas é, sem dúvida, um dos mais confiantes, bem resolvidos e emocionalmente sofisticados. É pop adulto feito com carinho, com honestidade e sem medo de soar vulnerável. Um álbum maduro, coerente e acolhedor, que prova que Haim não precisa reinventar a roda para continuar relevante. E mais do que isso: é um disco que mostra que crescer, às vezes, é simplesmente parar de fugir daquilo que sentimos.

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