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28 anos de OK Computer: o futuro era isso aqui

Não era só música. Era uma prece digital. Um sinal do fim. Uma cápsula lançada no tempo.

Radiohead
Imagem: Reprodução

Tudo o que você sente, mas nunca soube explicar.


Em 1997, enquanto o mundo se deslumbrava com os brilhos do novo milênio, o Radiohead se trancava num estúdio em uma casa velha e distante para escrever o fim da era da inocência. OK Computer não foi só um disco — foi uma premonição. Um recado cifrado sobre tudo que estava prestes a dar errado. E que deu.



Longe do rock de guitarras do The Bends, longe da angústia juvenil de Pablo Honey, a banda abandonava o conforto de hits radiofônicos e mergulhava de cabeça num labirinto sensorial e existencial. Foi um salto no escuro. Mas eles sabiam o que estavam fazendo. OK Computer nasceu do medo. Da ansiedade. De uma suspeita que crescia em silêncio: a de que o mundo moderno estava fadado a nos destruir.


Hoje, 28 anos depois, esse disco ainda pulsa como um organismo vivo, ainda arde como uma ferida aberta. Porque tudo o que ele dizia — sobre alienação digital, sobre o esvaziamento das relações, sobre a transformação do homem em máquina — virou o nosso cotidiano. O que parecia paranoia virou rotina. O que parecia ficção científica virou vida real.



Ouvir OK Computer em 2025 é como ouvir um grito vindo do passado. Um grito que ninguém quis escutar. E que agora ressoa entre as ruínas de uma sociedade que perdeu o controle.



“Airbag” já começa com um soco no peito. Uma batida seca, distorcida, metálica — o som de um mundo prestes a explodir. “Paranoid Android” é uma ópera cyberpunk em três atos, um manifesto sobre a era tecnológica e a solidão que veio junto com ela. “Exit Music (For A Film)” parece ter sido sugada do fundo do abismo, um lamento íntimo, melancólico, onde a voz de Thom Yorke se arrasta como um fantasma em busca de paz.


“Let Down” é a epifania da derrota emocional. Uma beleza frágil, flutuante, um colapso em câmera lenta. “Karma Police” é vingança e sarcasmo. “No Surprises” é o berço e o túmulo. Um sorriso falso entoado em meio à desesperança, embalado por sinos de caixa de música. “Me tire daqui”, implora Yorke. A gente ainda implora com ele.


A magia de OK Computer está nos detalhes. Nas vozes robóticas, nos sussurros escondidos, nas texturas sintéticas que envolvem as melodias como uma névoa. É um disco que respira — mas com dificuldade. É um organismo que sofre, que sangra eletricidade, que chora circuitos queimados.


Ele é profundamente humano, justamente por expor o que há de mais desumano em nós.

Em 1997, a maior preocupação com tecnologia era o clipe animado do Word. Crianças colecionavam tazos enquanto a MTV exibia “Garganta e Torcicolo” com João Gordo. Era o fim da pré-modernidade, e o começo de um mundo onde ninguém mais se desconecta, onde tudo virou dado, like, anúncio. OK Computer entendeu isso antes de todo mundo.


Yorke se inspirou em O Guia do Mochileiro das Galáxias para compor “Paranoid Android”, mas a grande ficção científica era a própria realidade. Um mundo onde pessoas andam com fones nos ouvidos, telas nos bolsos, corações anestesiados. Onde não há mais espaço para surpresa. Só para repetições. Só para o automático.



Em “Fitter Happier”, a voz de um programa de computador recita um estilo de vida perfeito. Saudável. Produtivo. Estéril. É a utopia transformada em pesadelo. É o retrato do cidadão moderno: funcional, infeliz e vazio.


O que torna OK Computer tão atemporal — ou melhor, tão eterno — é sua capacidade de traduzir angústias que ainda não tinham nome. Ele antecipa o colapso. Denuncia o tédio. Convida ao colapso emocional com beleza quase religiosa. Não é um disco para ouvir de fundo. É um disco para ser engolido por ele. E se perder.



É por isso que, 28 anos depois, ele ainda é relevante. Ainda dói. Ainda salva. Porque enquanto houver humanidade sufocada por progresso, OK Computer vai continuar sendo o reflexo mais fiel desse caos calmo onde a gente vive.


Você pode até não gostar de Radiohead. Mas precisa respeitar OK Computer. Porque esse disco não quis ser bonito. Ele quis ser necessário. Ele não quis agradar. Ele quis acordar.


E acordou.



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