O Homem que Caiu na Terra: a ficção científica que previu a solidão do nosso tempo
- Marcello Almeida
- há 22 horas
- 2 min de leitura
Ele caiu na Terra para salvar seu povo — mas acabou refletindo a falência da humanidade

"O universo não foi feito à medida do ser humano, mas tão pouco lhe é adverso: é-lhe indiferente" (Carl Sagan)
Publicado em 1963, O Homem que Caiu na Terra, de Walter Tevis, permanece como uma das obras mais contundentes da ficção científica moderna. Não é apenas a história de um alienígena em missão, mas um retrato profundo da condição humana — e, talvez, um presságio sobre o destino que insistimos em construir.
Thomas Newton vem de Anthea, um planeta devastado, sem água e condenado à extinção. Ao chegar à Terra, assume a forma humana e, graças à inteligência e tecnologia que carrega, rapidamente se torna um magnata misterioso, financiando a construção de uma máquina capaz de levá-lo de volta para salvar seu povo. Mas, em vez da epopeia de um herói cósmico, Tevis conduz a narrativa para a tragédia existencial: Newton, solitário, frágil e cada vez mais humano, é lentamente esmagado pelo peso do mundo em que caiu.
O que mais fascina na obra é sua atualidade. Tevis não escreve sobre marcianos ou batalhas interplanetárias, mas sobre nós. A solidão, a apatia, o vício como anestesia para a dor. Newton bebe não apenas porque seu corpo estranho sofre, mas porque a humanidade ao seu redor o corrói. Ele enxerga, com a clareza de um estrangeiro, a ganância, o individualismo e a autodestruição que definem a espécie humana. Um ser que veio de um planeta doente encontra outro ainda mais doente.
Lido hoje, o romance se atualiza como um diagnóstico do nosso tempo. A crise ambiental que assombra o presente, a sensação de desajuste nas metrópoles, a vulnerabilidade diante de sistemas esmagadores. Quem nunca se sentiu como Newton — deslocado, impotente, exausto? O alienígena de Tevis deixa de ser uma figura de ficção para se tornar uma metáfora universal do mal-estar contemporâneo.
A adaptação para o cinema em 1976, dirigida por Nicolas Roeg, ampliou ainda mais essa dimensão simbólica. Vivido por David Bowie em sua estreia no cinema, Thomas Newton ganhou a forma definitiva de um ícone. Bowie incorporou o personagem como se fosse sua própria pele: um artista sempre à margem, sempre estrangeiro, um homem que parecia nunca pertencer inteiramente à Terra. Desde então, Newton deixou de ser apenas um personagem literário e passou a habitar o imaginário como uma extensão do próprio Bowie.
Mais de seis décadas após sua publicação, O Homem que Caiu na Terra continua sendo um livro perturbador e fascinante. Um espelho da humanidade em sua fragilidade, em sua arrogância e em sua solidão. Walter Tevis escreveu uma ficção que atravessa gerações porque toca em algo essencial: a incapacidade do homem de habitar plenamente o mundo que destrói.
Tevis escreveu ficção; nós transformamos em realidade.

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