Getting Killed: Geese explora o caos belo (e intencional)
- Caue Almeida
- há 19 horas
- 4 min de leitura
No novo álbum, Cameron Winter e a banda se perdem, se reinventam e encontram beleza no meio do caos

Geese é daquelas bandas que, quanto mais você escuta, mais fica difícil explicar. Desde 3D Country, eles têm sido uma daquelas raras surpresas que lembram a gente por que ainda vale a pena se empolgar com rock. E agora, com Getting Killed, eles não só mantêm o nível — eles sobem um degrau que muita banda nem enxerga.
Logo de cara, já dá pra perceber que o grupo não quer repetir fórmula nenhuma. Onde antes havia aquele clima mais roots, mais despretensioso, agora o som é mais caótico, cheio de camadas, mas também mais bonito, mais doce, mais afiado. É o tipo de disco que você ouve uma vez e acha confuso, ou até pretensioso — mas, de repente, ele vai te conquistando, detalhe por detalhe, até você se pegar completamente viciado.
A comparação com OK Computer é inevitável. Não só pela atmosfera meio distópica e o jeito de brincar com as texturas sonoras, mas porque Getting Killed tem essa sensação de estar sempre dois passos à frente do que o resto do mundo está fazendo. Cameron Winter, o vocalista, está simplesmente possuído. Ele canta como se estivesse tentando encontrar sentido em meio ao caos — uma mistura de desespero e euforia que poucas vozes no rock atual conseguem alcançar. Max Bassin na bateria é uma força da natureza: criativo, técnico e completamente insano. Dominic DiGesu no baixo e Emily Green na guitarra transformam cada faixa em um pequeno universo, cheio de nuances e timbres estranhos que nunca parecem fora do lugar.
O disco abre com Trinidad, uma faixa que parece feita pra te tirar do eixo. Tudo soa meio errado, meio torto, mas é impossível não ficar hipnotizado. Cada batida, cada panning de bateria, cada vocal escondido no fundo da mixagem parece ter sido colocado ali pra te deixar desconfortável — e curioso. A partir daí, o álbum se transforma em uma viagem: Cobra vem logo depois e é o contraponto perfeito, delicada e viciante, com aquele riff principal que gruda na cabeça e um refrão que arrepia.
Husbands volta a flertar com o lado mais tribal e psicodélico da banda, com percussões que se multiplicam e uma letra cheia de imagens religiosas e quase cinematográficas. É a prova de como o Geese entende que um som bonito não precisa ser limpo — ele só precisa ter alma.
Getting Killed, a faixa-título, é um dos pontos mais altos. A letra “I’m getting killed by a pretty good life” é daquelas que grudam na mente porque soam simples, mas carregam um peso absurdo. É sobre tentar encontrar sentido quando tudo parece bom demais pra ser verdade — e isso vira um soco no estômago dentro desse mar de sons e vozes. Logo depois vem Islands of Men, que pra mim é o coração do álbum. Uma faixa que vai crescendo devagar, se transformando o tempo todo, com riffs que aparecem e somem, camadas que se sobrepõem até o som virar uma parede viva. É o tipo de música que parece te engolir, mas de um jeito prazeroso.
Mais pro meio do disco, 100 Horses e Half Real mostram o lado mais melancólico do Geese. A primeira tem uma energia quase mística, com letras que soam como sonhos estranhos, e a segunda é uma pausa bem-vinda — mais simples, mas emocionalmente devastadora. “Get rid of the bad times, and get rid of the good times too” é uma linha que tem perseguido por dias.
Mas o grande momento, sem sombra de dúvida, vem com “Au pays du Cocaine”. E olha — não é exagero dizer que essa é uma das músicas mais lindas que já ouvi na vida. É o tipo de faixa que parece parar o tempo. Uma melodia frágil, quase celestial, que te embala como uma canção de ninar — mas uma daquelas que te faz chorar antes de dormir. Cameron canta como se estivesse sussurrando um segredo proibido, e cada acorde soa como um pedido de perdão. É triste, é doce, é absolutamente devastadora. Parece uma música escrita pra um sonho que acabou, mas que você ainda se recusa a acordar dele. Um daqueles raros momentos em que a beleza e a dor se confundem completamente.
A reta final do álbum é pura catarse. Bow Down e Taxes são montanhas-russas sonoras, cheias de reviravoltas e riffs absurdos. E quando chega Long Island City, Here I Come, o encerramento, é como se tudo fizesse sentido. O disco começa e termina no caos — mas agora esse caos soa triunfante, quase espiritual.
Getting Killed é um álbum sobre tentar sobreviver à própria confusão — e encontrar beleza no meio dela. É um trabalho cheio de coragem, sensibilidade e uma energia que parece vir de outro tempo. Se o 3D Country foi a descoberta, Getting Killed é a consagração. E o Geese, bom… o Geese é simplesmente uma das bandas mais empolgantes que existem hoje.
