Com toda sua simplicidade e direcionamento 'Hail to the Thief' é uma obra que consegue capturar a habilidade do Radiohead em criar paisagens sonoras únicas e envolventes.
Radiohead é aquela banda na qual não existem meios termos, ou você ama, ou odeia. O fato é que Thom Yorke e cia criaram um legado extraordinário ao longo do tempo. Álbuns como 'Ok Computer', ‘Kid A’ e 'Amnesiac' colocaram a banda em outro escalão do Rock Alternativo. O peso da fama e dos holofotes haviam chegado para o Radiohead, assim como o mundo narrado lá atrás em ‘Ok Computer’. O fato é que o mundo havia mudado e o grupo também precisava seguir seu caminho após quase entrar em colapso com o peso de três álbuns configurados como o ápice do processo criativo do Radiohead.
O que uma banda pode fazer após atingir esse estágio em sua trajetória? Seguir, se reinventar e criar uma nova revolução musical? Longe disso, o Radiohead optou por lançar uma anti-obra-prima que trouxe novamente para as canções o rock de guitarra presente no começo da banda sem deixar de lado elementos experimentalistas. Uma válvula de escape perfeita para uma banda que se via presa em uma era musical que eles ajudaram a criar. O fato é que 'Hail to the Thief' viu o mundo pela primeira vez em 9 de junho de 2003, um álbum direto e simples que ofereceu uma viagem profunda e reflexiva pelos labirintos da alma de Thom Yorke, pois assim, ele e seu grupo avistavam o mundo naquele período. O que mudou 20 anos depois de sua chegada? Essa é uma pergunta que as obras do Radiohead costumam deixar no ar.
Para um disco que abre com uma faixa pulsante carregada por uma atmosfera tensa e cercada de boas guitarras, "2 + 2 = 5" captura instantaneamente a atenção do ouvinte com uma letra afiada de Yorke tecendo críticas a manipulação das mídias, autoritarismo e conformidade social. O tom emotivo dos vocais de Thom aumentam o impacto da música, enquanto os arranjos e suas particularidades oferecem uma riqueza sonora impressionante. "Sit Down, Stand Up", chega com camadas soturnas e hipnóticas, com a repetição de elementos que criam uma sensação de urgência e desconforto. "Sail to the Moon" é uma canção adorável, uma fenda de luz que se mostra tímida através de suas camadas sombrias e tristonhas.
São três faixas que não te deixa dizer que 'Hail to the Thief' é um disco ruim, longe disso. A luz que contorna essa obra, seu charme ofensivo e arriscado fazem todo o sentindo conforme você vai avançando entre músicas que só poderiam ganhar vida vindo do Radiohead. Aqui temos uma banda gerando interesse em um disco que não causa aquele impacto surpreendente, nem repleto de hinos que os caracterizaram como a maior banda do mundo. Por outro lado, a obra oferece momentos mais contemplativos que emanam de faixas como "I Will" e "A Punch Up at a Wedding", essa última esbanja linhas de baixo "funkeadas" e uma letra amarga e espirituosa.
Com toda sua simplicidade e direcionamento 'Hail to the Thief' é uma obra que consegue capturar a habilidade do Radiohead em criar paisagens sonoras únicas e envolventes. "There, There" é uma canção cativante, impulsionada por ritmos pulsantes e texturas sonoras ricas. A música ganhou um clipe no estilo uma obra de Edgar Allan Poe. Nesse ponto, vale destacar a ótima produção do álbum, destacando a meticulosidade da banda em cada detalhe sonoro. A colaboração com o produtor Nigel Godrich resulta em uma mistura impecável de instrumentação orgânica e texturas eletrônicas, criando uma ambientação convidativa e agradável.
Vinte anos depois do seu lançamento, o disco segue sendo subestimado e pouco lembrado. Mas ainda não é tarde demais para mergulhar na jornada emocional e intelectual forjada por letras profundas e arranjos atmosféricos, o contexto desse disco continua tão atual como qualquer outra obra do Radiohead. Na época de seu lançamento, Thom Yorke afirmou que a banda soaria "irreconhecível" nos próximos anos. O tempo cuidou de desbravar esse mistério, mas o futuro da banda ainda continua instigante e intrigante. Uma coisa é certa, 'Hail to the Thief' provou que pode existir vida para uma banda após seu ápice criativo e histórico, e essa vida parece ser muito mais interessante e brilhante do que sugere essa obra de 20 anos atrás.
Hail to the Thief
Radiohead
Lançamento: 9 de junho de 2003
Gênero: Indie Rock, Rock Alternativo
Ouça: "2+2=5", "There, There", "Sail to the Moon"
Humor: Sombrio, Enigmático, Noturno
NOTA DO CRÍTICO: 8,0
Veja o clipe de "There, There":
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