Ok Computer’ está recheado de canções memoráveis onde Yorke abraçou seus bichos-papões e deu uma vida universal para eles
Em 1997, o Radiohead forjava com tamanho brilhantismo um disco totalmente emblemático e revolucionário que representaria uma visão clarividente de um mundo corrosivo e assustador. Diferente de tudo visto em 'Pablo Honey' e 'The Bends'. Posso dizer que 25 anos depois se tornou mais fácil compreender a complexidade que 'Ok Computer' abordou de forma autêntica e poderosa. Em uma era pré- internet, Thom Yorke e cia desbravaram perfeitamente o roteiro de como seria a vida nos anos seguintes, com imagens e canções cuspidas ferozmente denunciando antecipadamente a alienação digital, a globalização, o consumismo precoce e desenfreado que sucumbiria o mundo moderno.
Pode parecer tudo surreal e loucura. Mas 'Ok Computer' narrou de maneira fiel e assustadora as angústias de um mundo que viria a ascensão da internet moldar os padrões de vida conhecidos. E estranhamente esse conceito de como era a vida em 97 e como ela é hoje em 2022, não evoluímos e muito menos podemos fugir das complexidades mal entendidas de Ok Computer na época. Hoje nem é tão complexo assim, a vida se encarregou de desbravar as leituras dessas canções bonitas e repletas de emoções genuínas. Quer um bom exemplo disso tudo? Misture a genialidade de David Bowie, a energia do velho U2 e a psicodelia do Pink Floyd, bata isso tudo em um liquidificador sonoro e você terá encontrado o caminho do experimentalismo e toda angústia causada pelos demônios de Thom Yorke que ganharam vida através de 12 canções que até hoje são incompreendidas ao certo.
A banda podia muito bem ter optado por um rock mais fácil e digerível nas rádios, vinha de um disco conceitual de guitarras, com grandes hits, 'The Bends' estipulou o começo de uma nova era guitarristica de canções pop, um disco querido por muitos, como não se arrepiar ao ouvir "Fake Plastic Trees" ou "High And Dry". Mas o Radiohead queria muito mais. Ao invés de optar trilhar por um caminho mais confiável e seguro, a banda lançou um disco audacioso, ambicioso que boicotou toda a fórmula tradicional de fazer música. ‘Ok Computer’ é desafiador, instigante, revolucionário, misterioso e, ao mesmo tempo, assustador. Um clássico intemporal. Um disco de outro mundo, com uma visão revolucionária do nosso tempo.
Bastar sentir os instantes iniciais de “Airbag” faixa que abre o disco com guitarras caóticas e distorcidas, excogitando a mudança de sonoridade e todo desespero e aflições de um mundo submerso na própria ignorância. Detalhes expostos em uma explosão interestelar que marca o início de um dos álbuns mais respeitados e aclamados da história do Rock and Roll, você pode não gostar do Radiohead, mas precisa respeitar ‘Ok Computer’. Pois, foi aquele disco que definitivamente chutou seu traseiro até que não havia mais nada para chutar. Na verdade, essa obra-prima estabeleceu um novo padrão e conceito no rock que ainda não foi desafiado.
Toda ambientação de ‘Ok Computer’ foi pensada e trabalhada pela inquietude e anseios gerados por toda uma modernização. O contexto geral desse disco se comporta como uma paródia ou uma ácida sátira à vida moderna; letras caçoando de nossa escolha de vida- algo totalmente distinto do disco anterior. A melodia profunda e nostálgica de “Exit Music (For A Film)” parece ter sido sugada pelo abismo da alma, uma fuga inalcançável, repleta de mistérios e surpresas sombrias embaladas por um violão e uma voz melancólica de Yorke. A canção cresce e o violão passa a dar lugar a um loop de teclados de tirar o fôlego.
A grande magia do álbum se concentra em sua dinâmica. No poder que cada canção desenvolve e vai se tornando em um passeio infernal e climático. Uma atmosfera totalmente construída de sentimentos edificantes. A lírica “Let Down” com suas texturas cintilantes de pura melancolia se torna um dos pontos altos do álbum, uma canção que possui uma alta carga sentimental e isso a torna linda e intocável. O Radiohead praticamente eliminou muitos dos elementos clássicos do rock de guitarra, criando assim, uma música sutil e texturizada com aquele espírito aventureiro e libertador. “... autoestradas e linhas de trem/Começando e depois parando/Decolando e pousando/O mais vazio dos sentimentos”, canta Thom Torke.
‘Ok Computer’ está recheado de canções memoráveis onde Yorke abraçou seus bichos-papões e deu uma vida universal para eles.
Ouvir esse disco é como olhar para fora, para o som ao redor, para as ruas repletas de carros, para os postes cheios de fios, conversas aleatórias e zumbidos, para um céu azul com aquele rastro de um avião que acabou de partir, tudo parece ser mais do mesmo: uma tela de TV com notícias remotas, um trabalho que te consome lentamente, smartphones e redes sociais, você para, tenta respirar, busca por um copo de água, mas até isso alimenta aquele gosto amargo colorido por cloro. Já sentiu na pele a necessidade de fugir disso tudo?
Você definitivamente quer abandonar tudo, jogar tudo para o alto e deixar o planeta, correr para longe da rotina e da desordem da vida. Nada parece certo, tudo parece estranho, confuso e perdido. Thom Yorke sabia disso. As canções de ‘Ok Computer’ parecem que foram alimentadas por um sentimento constante de impotência com o mundo ao seu redor.
Esse desejo continua persistente e atual. Enquanto em 97, a maior preocupação com a tecnologia e modernidade era lidar com o clipe animado do pacote office, e o divertimento da garotada era se entupir de salgadinhos para colecionar tazos, e na TV a MTV Brasil exibia pela primeira vez o programa “Garganta e Torcicolo”, com João Gordo. Onde as pessoas participavam de um jogo por telefone, algo bem 'Black Mirror' pra época.
Essa pré-modernidade foi muito bem contextualizada na faixa “Paranoid Android” onde Thom Yorke se inspirou no livro ‘O Guia do Mochileiro das Galáxias' de Douglas Adams. Uma música que tece uma crítica a uma sociedade tecnológica onde cada vez mais o homem está sendo transformado em máquina. Isso traduz perfeitamente nossa atualidade. Onde vemos pessoas cada vez mais conectadas em seus celulares, fones de ouvido na orelha e um notebook debaixo dos braços. Até a maneira de consumir música mudou. “Paranoid Android” é um manifesto sobre a era tecnológica, a tristeza e solidão que vieram junto com ela.
‘Ok Computer’ pode muito bem ser aquele álbum onde os instrumentos orgânicos se alinharam perfeitamente ao experimentalismo eletrônico para descrever o início da era das mídias sociais e a diminuição da interação humana em um mundo governado por grandes empresas.
Bem antes da erupção sonora soberba de ‘KID-A’ e ‘Amnesiac’, e os eventos melancólicos que levaram a criação de ‘A Moon Shaped Pool’, a visão já havia sido lançada anos atrás.
Um disco que descreveu de maneira inteligente e assustadoramente o perfil das nossas relações profissionais e afetivas. Laços que se tornam cada vez mais robóticos e mecanizados. Uma verdadeira bolha de fragilidades impulsionada por conflitos e ansiedade de um mundo que evoluiu rapidamente. O resultado desse aceleramento desgovernado vem em uma canção de ninar, se assim, podemos dizer, “No Surprises” é bem mais densa e pesada do que se pode imaginar. Um contraste entre dois estilos ou tons diferentes que narra uma vida de um protagonista sem emoções e surpresas, uma vida estagnada sugada por um governo cruel e desumano, empregos medíocres e feridas que sempre permaneceram ali martelando em seu peito. “Eu vou levar uma vida tranquila/Apertos de mãos, negócio fechado com monóxido de carbono”, diz um verso da canção. E os vocais de Thom Yorke que imploram continuamente: “Me tire daqui, me tire daqui”.
‘Ok Computer’ depois de longos 25 anos continua tão impactante e influente. Esse disco ainda consegue causar um impacto perturbador e eletrizante, e seu lirismo e contexto são mais relevantes hoje do que eram há 25 anos. Se você é uma pessoa que possui sentimentos e um pouco de integridade e já se permaneceu preso em um escritório classe A, provavelmente vai se identificar.
'Ok Computer' (25 anos)
Radiohead
Ano de Lançamento: 1997
Ouça: "Paranoid Android", "Exit Music (For A Film) e "Let Down"
Gênero: Rock Alternativo, Indie eletrônico
Humor: paranoico, sombrio e revolucionário
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