Quarteto Fantástico: Primeiros Passos e o reencontro com o sentido de começar
- Marcello Almeida
- há 5 dias
- 4 min de leitura
E agora estão de volta, com um filme que é mais coração do que conexão de multiverso

Talvez o maior elogio que se possa fazer a Primeiros Passos seja: ele me fez lembrar por que um dia eu me apaixonei por filmes de herói. Não por todos esses universos conectados, pós-créditos, easter eggs ou crossovers — mas por personagens que, mesmo enfrentando o fim do mundo, ainda se preocupam e possuem aquela afinidade e conexão uns com os outros. Por histórias que, entre batalhas interdimensionais e vilões cósmicos, nos lembram que o que mais importa continua sendo a família, a amizade e o amor.
É simbólico que esse retorno do Quarteto venha justamente agora, quando a Marvel parece ter se perdido num labirinto de tramas inchadas e expectativas que já não emocionam. Com uma ambientação retrô-futurista que nos leva diretamente para a estética dos anos 50, mas sem abrir mão de estilo ou identidade, o novo filme dirigido por Matt Shakman aposta na simplicidade do que sempre fez esse grupo ser especial: a sensação de que eles já estavam juntos antes de qualquer ameaça — e estarão depois também.
Um filme que não exige dever de casa
Primeiros Passos é quase um gesto de gentileza num universo exausto de exigências. Você não precisa ter assistido aos 37 outros filmes do MCU para entender ou sentir alguma coisa. Nos primeiros 15 minutos, já sabemos o básico: quatro pessoas comuns tiveram o DNA alterado por radiação cósmica e se tornaram uma família extraordinária. Eles já salvaram Nova York várias vezes, já enfrentaram vilões clássicos e vivem como se fossem celebridades altruístas. Até que chega a ameaça que vai bagunçar tudo: Shalla-Bal (Julia Garner), a nova Surfista Prateada, aparece com um aviso urgente — a chegada de um ser poderoso: Galactus está vindo.

O roteiro, então, troca a burocracia dos multiversos por uma trama que tem alma. O conflito central é de ordem íntima: entre o dever de salvar o mundo e o instinto de proteger a Terra e a família, e com a chegada de um novo membro à família Richards/Storm coloca todos diante de decisões difíceis e sacrifícios profundos. A criança se torna símbolo de tudo o que está em jogo — e o elo emocional que une trama e temática em um mesmo pulso. A tensão se acentua, exigindo ainda mais do elenco, que entrega atuações extraordinárias.
Amor, escolhas e o peso de ser humano
Vanessa Kirby entrega uma Sue Storm poderosa, vulnerável e maternal. Não uma heroína fria ou inalcançável, mas uma mulher que sente medo, dor e responsabilidade — tudo ao mesmo tempo. Ela carrega o filme com os olhos, e isso não é metáfora. É nela que a gente se ancora para entender o dilema do grupo. O planeta inteiro depende de uma decisão que ninguém deveria ter que tomar. Kirby, com delicadeza e força, nos mostra que a maternidade, mais do que um superpoder, pode ser também um fardo ético — e que amar profundamente exige coragem até nas escolhas que não têm resposta certa.
Pedro Pascal, por sua vez, constrói um Reed Richards mais humano do que nunca. A rigidez do gênio dá lugar a dúvidas reais, gestos contidos, silêncios densos. Há uma cena entre ele e Franklin que é puro cinema: sem efeitos, sem ação, só uma troca sincera que vale mais do que qualquer explosão. Pascal vai de “Senhor Fantástico” a “pai fantástico” sem nunca perder a complexidade do personagem. Não é à toa que já se especula se ele assumirá o posto de novo líder dos Vingadores. Mas o que realmente importa aqui não é o futuro, e sim o agora.

Uma família de verdade — com falhas, piadas e afeto
Ben Grimm (Ebon Moss-Bachrach) e Johnny Storm (Joseph Quinn) funcionam como contrapeso emocional e cômico. A dinâmica entre os dois é viva, engraçada, espontânea. Johnny ainda tem aquele charme fanfarrão, mas mais contido. Ben continua lidando com as dores de ser o Coisa — a aparência, a solidão, a saudade do que já foi. Há um momento em que ele segura Franklin nos braços que, sem dizer uma palavra, diz tudo sobre seu coração de pedra e mel.
E essa é a maior beleza do filme: ele acredita que personagens importam mais do que vilões. Galactus é imponente, sim — e seu design é assustadoramente bonito —, mas ele é mais conceito do que presença. O que realmente nos prende são os dilemas humanos em meio ao caos cósmico.
Mesmo com os problemas de CGI (especialmente no bebê Franklin, que às vezes parece saído da saga Crepúsculo), o saldo visual é positivo. Julia Garner, como a Surfista Prateada, diz muito com pouco — seu olhar carrega tragédia, dúvida e compaixão. É um papel que poderia facilmente ser frio, mas ela o torna poético.
O charme que ficou pelo caminho
Há falhas, claro. O filme é curto demais para a quantidade de coisa que tenta dizer. Coadjuvantes como Natasha Lyonne e Sarah Niles aparecem e somem sem muito impacto. A exclusão do Fantasma Vermelho (John Malkovich) foi um acerto — teria sido excesso. Mas ainda assim, há um certo gosto de “quero mais” ao fim da sessão. A estética googie, o clima de ficção científica à moda antiga, o humor contido… tudo parece prometer um universo riquíssimo que talvez nunca seja explorado com calma. A urgência do Doomsday já nos puxa de volta ao calendário industrial da Marvel.
O primeiro passo mais importante é sempre o da emoção
No fim das contas, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é sobre isso: o começo. O começo de uma nova fase no MCU, sim, mas mais do que isso — o resgate do sentimento original de quem amava quadrinhos não por sua cronologia, mas por seus personagens. Quem, como eu, cresceu vendo o Quarteto nos filmes de 2005 e 2007, vai sentir uma nostalgia boa aqui. Mas o filme também se abre para quem chega agora, sem histórico ou apego.
É uma obra que olha para frente com ternura, sem esquecer do que já foi. Que nos lembra que heróis também sentem, erram, choram, riem. Que salvar o mundo pode ser uma metáfora para salvar o que a gente ama. E que, mesmo diante do incontrolável, sempre há um jeito de recomeçar — mesmo que seja dando só o primeiro passo.

Trailer:
⭐️⭐️⭐️⭐️
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