No Tempo da Intolerância celebra e reitera a musicalidade, senso crítico e o talento de Elza Soares
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No Tempo da Intolerância celebra e reitera a musicalidade, senso crítico e o talento de Elza Soares

Atualizado: 23 de jul. de 2023

Nada escapou de seu lirismo musical. Nesse álbum póstumo, sua postura não é diferente.

Foto: Reprodução/Instagram/ElzaSoares


Elza Soares morreu em 20 de Janeiro de 2022 aos 91 anos de idade. Incompreendida por alguns, reconhecida talvez só depois de algum tempo e orgulhosa de falar sobre sua história de vida e de sua raça. Para muitos, a cantora causou polêmica e, sem papas na língua, ela mostrou como a música pode ser lugar de inquietude e de alertar o ouvinte sobre a época em que ele se contextualiza.


Se em “A Mulher Do Fim Do Mundo” (2015), “Deus É Mulher” (2018) e “Planeta Fome” (2019) a cantora mostrava jovialidade, talento intacto e sintonia com os tempos atuais, o disco póstumo “No Tempo da Intolerância”, recém lançado, confirma a importância dessa artista com toda sua musicalidade, criatividade e despudor de dizer o que pensa nas letras de suas canções.



O álbum era para ter sido lançado durante o ano de 2021. Ele foi gravado um pouco antes do falecimento de Elza. Os responsáveis pela produção tinham as vozes gravadas da cantora e todas suas recomendações para a produção. Esse é um disco que resgata algumas canções que, até então, faziam parte de textos rascunhados que ela própria os intitulava como pequenos diários.


Elza canta o Brasil. O país que ainda teima no racismo apesar da população ser composta em sua maioria por negros. Ela é a voz da mulher que muitas vezes tem a liberdade abafada por pensamentos machistas e patriarcais. Também é brasileira como nós e sente as mazelas de viver em torno de uma desigualdade que sobrepuja muitas pessoas pelo país.


As colaborações no disco revelam o carinho e o respeito de outros grandes nomes da música pela cantora. Caso da faixa ‘Rainha Africana’ com direito a um belíssimo acompanhamento orquestrado. A letra foi escrita por Rita Lee (a pedido de Elza) e acabou virando uma homenagem. A melodia ficou a cargo de Roberto de Carvalho, marido de Rita.


Outras duas participações femininas são: Pitty no Pop-Rock com guitarras marcantes de ‘Feminelza’ e Dona Ivone Lara em ‘No Compasso da Vida’, faixa essa cheia de suingue e latinidade. E no final da música, Elza diz: ‘Eu tenho o dom da vida, nós temos o dom da vida’. Não só ela celebrando a vida e seu dom de fazer música, como pedindo que a gente sinta essa mesma vibração.


Na vinheta introdutória (‘Intro: Justiça’), ela passa de cantora a confidente íntima e nos diz abertamente: ‘Um dia eu sonhei que teria um país melhor e teria um momento menos cruel do que aquele de 1970...’. Logo em seguida na canção ‘No Tempo da Intolerância’, inspirada por Martin Luther King, a artista ressalta a importância do incomodar e professa: ‘Como dizia Luther King/Se você quer um inimigo/É só falar o que pensa’. Com seus argumentos válidos, ainda ressalta: ‘Tá todo mundo atirando pedra / Com a vida cheia de pecado...


Uma das qualidades da cantora é sua incrível voz que nunca perdeu a intensidade através das décadas. Não somente isso, a riqueza instrumental que preenche caprichosamente as canções. Sopros, piano, moog, sintetizadores, violinos, glokenspiel, clavinete. Um verdadeiro arsenal sonoro que trabalha em conjunto com as propostas estilhaçadas da cantora.


Da mesma forma, em toda sua trajetória musical, Elza não teve medo de abraçar diversos gêneros. Nunca ser igual toda vez. Ser múltipla. MPB, Pop-Rock, Bossa Nova, Samba, Eletrônica. Nada escapou de seu lirismo musical. Nesse álbum póstumo, sua postura não é diferente. Consegue soltar um Bolero ‘anti-romântico’ em ‘Te Quiero’, flerta com a Salsa na faixa ‘Mulher Pra Mulher (A Voz Triunfal)’ e ‘Pra Ver se Melhora’ poderia ser encaixada dentro do gênero Sambalanço.


“No Tempo da Intolerância” possui muita importância. Não apenas para celebrar o talento e diversidade de um grande nome da música brasileira, como também para marcar a época que vivemos e para convidar toda uma geração que está chegando a fazer um exame de conscientização que sempre é necessário.



Esse disco tem o mesmo peso, impacto e sentido de atemporalidade que muitos outros que passaram pela história de nossa música tiveram, a exemplo de alguns como “Acabou Chorare” (1972) dos Novos Baianos, “Cabeça Dinossauro” (1986) do grupo Titãs e “Da Lama Ao Caos” (1994) de Chico Science & Nação Zumbi. Embora receba mais valor com o passar do tempo, Elza Soares merece esse lugar, precisa estar no rol dos grandes nomes que um dia fizeram parte da música de nosso país.

 

No Tempo da Intolerância

Elza Soares


Lançamento: 23 de junho de 2023

Gênero: MPB, Samba, Rock

Ouça: "No Tempo da Intolerância", "Pra Ver Se Melhora", "No Compasso da Vida"

Humor: Sagaz, Provocativo

Pra quem Curte: Gal Gosta, Maria Bethânia


 

NOTA DO CRÍTICO: 8,5

 

Veja o vídeo oficial de ‘No Tempo da Intolerância’:



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