Em Planeta Fome, Elza Soares confirma seu talento e experiência.
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Em Planeta Fome, Elza Soares confirma seu talento e experiência.



Ela tem 82 anos, mas comporta uma mente que não quer envelhecer, disposta a inquietude, condicionada a pensar e a reagir, a não se calar. Essa é Elza Soares. Cantora que tem a favela no sangue e que não se deixa abater com a idade. Possui muita vontade de cantar, de criticar e ser ácida quando precisa ser (‘cara feia pra mim me fortalece’ canta em "Virei o Jogo”). Além de cantora, uma cidadã que não aceita a situação de um país que tem sim uma cultura e inteligência a seu favor, mas que não faz disso sua alavanca de crescimento.


A beleza e a criatividade desse álbum começa pela capa maravilhosa e repleta de detalhes da cartunista Laerte. A mesma tarefa de compreender absoluta e minuciosamente as 12 faixas do disco será necessária para a arte gráfica que passa inúmeras e ilimitadas ideias. Ponto positivo, sobretudo se pensarmos nos dias atuais que capas parecem esquecidas e pela questão de que elas podem (e até devem) ainda assumir o primeiro impacto para o ouvinte, até mesmo antes de ouvir o disco por completo.


A cantora faz uma ode ao Brasil, bem como fala abertamente e sem medo sobre as mazelas do país. Retrata as maravilhas, cachoeiras, nossa paisagem, o povo, cultura e a diversidade. Entretanto não se esquece de protestar e de rivalizar com a injustiça e o racismo que ainda teimam em perpetuar na nossa sociedade. Tal qual o Rock BR 80’s que retratava as feridas sociais de forma panfletária sem esquecer do entretenimento e da música de qualidade, assim pensa Elza Soares em Planeta Fome, na atualidade crua.

A cantora, não somente antenada com a música brasileira, igualmente capta a música do mundo em geral, cria um disco que se espatifa em vários estilhaços e faz questão de colar esses fragmentos num remendo bem costurado, preciso e necessário: MPB, samba, rock, folk, afrobeat, eletrônico (“País dos Sonhos”) e a bossanova (“Lírio Rosa”).

Cheio de citações e referências, o álbum lembra passagens memoráveis de grandes nomes da nossa música: Elza fica repetindo a frase ‘Que País é Este’ em “Pequena Memória Para um Tempo Sem Memória” e traz o saudoso ‘síndico’ Tim Maia e parte da canção “Me Dê Motivo” na faixa “Blá Blá Blá”. Grandes clássicos do passado que se encaixam perfeitamente na proposta da cantora e na época que vivemos.


Ecletismo aqui é a ordem do álbum e faixa por faixa fica fácil perceber ecos que passam por Titãs, Chico Buarque, Chico Science e Nação Zumbi, Noel Rosa (isso citando apenas o Brasil). A modernidade se liga com o passado da música, o acústico se funde ao elétrico, a linguagem do disco agrada tanto a jovens como adultos, um trabalho que tenta chegar a diversas gerações de ouvintes. E consegue facilmente.


A musicalidade da cantora é um constante diálogo com a geração tanto nova como velha de artistas, não importa, não existem barreiras. Elza Soares pega a malícia ligada a vivência dos morros, como também é um exemplo da experiência de quem frequentou as noites das grandes metrópoles e assimilou cada dia de sofrimento ou mesmo de alegria para amadurecer seu trabalho e sua consciência.


Planeta Fome precisa ser ouvido muitas vezes. Mas isso nunca é um árduo exercício, muito pelo contrário. Cheio de detalhes, direto na mensagem que pretende passar, pode ser apreciado pela produção requintada que carrega, bem como por ser uma obra atual que reflete como pensar é necessário e pode ainda incomodar algumas pessoas.

 

Ficha Técnica:

Artista: Elza Soares

Álbum: Planeta Fome

Lançamento: 13 de setembro de 2019

Gênero: MPB, Samba e Rock

Ouça: "Virei o Jogo", "Comportamento Geral" e "Blá Blá Blá"

Para quem gosta de: Maria Bethânia e Gal Costa

 

Ouça no Spotify:


 

Veja o vídeo de "Comportamento Geral":


 

Sobre Eduardo Salvalaio

Um cara da área Civil mas que nos momentos de folga tem um tempo para a escrita. Fã da arte de um modo geral, acha que com ela podemos tirar um pouco os dissabores da vida. Livros, discos, filmes, jogos: um arsenal do qual não abre mão.

 

Texto originalmente publicado no site Urge!







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