Nada foi mais bonito do que se perder ouvindo Echo & the Bunnymen
- Marcello Almeida
- há 2 dias
- 4 min de leitura
E com ele, o som molhado de uma geração inteira aprendendo a sangrar bonito no escuro

Entre guitarras que cortavam como bisturi emocional e letras que pareciam bilhetes de suicídio embalados em seda, o Echo & the Bunnymen foi muito mais do que uma banda — foi um estado de espírito. Um clima. Uma aura. Mais que notas e versos, eles criaram atmosferas. Climas de neblina onde tudo parecia prestes a ruir, mas ainda assim havia beleza. Ainda assim havia poesia.
Liderados por Ian McCulloch, esse personagem quase mitológico que misturava a arrogância de Jim Morrison com a vulnerabilidade de um poeta bêbado à beira do abismo, os Bunnymen emergiram do underground de Liverpool no final dos anos 70 como um furacão elegante. Eram parte do movimento pós-punk, mas ao mesmo tempo pareciam transcender o rótulo. Não bastava ser sombrio — tinha que ser sublime.
De 1980 a 1987, a banda lançou uma sequência de discos que definiram uma era. Cada álbum era um capítulo distinto, uma paisagem emocional com cor, cheiro e textura próprios. Crocodiles era a faísca bruta. Heaven Up Here era tempestade. Porcupine era drama. Ocean Rain era o requinte da dor, a consagração absoluta de um som que parecia pairar entre a terra e o delírio.
O que eles criaram ali não envelhece. Continua ressoando em corações quebrados pelo mundo inteiro. Porque o Echo não falava só de tristeza. Falava de beleza. De intensidade. De paixão levada até as últimas consequências. Falava de noites longas demais e amores que nunca aprenderam a terminar. Era a trilha sonora ideal para quem olha pela janela e sente que alguma coisa sempre vai faltar.
Este artigo não é apenas um ranking. É uma viagem no tempo. Uma carta de amor à era em que o som ainda tinha alma, e cada música carregava o peso de um segredo. Aqui embaixo, revisitamos os oito discos fundamentais da fase clássica do Echo & the Bunnymen. Oito álbuns que moldaram o inconsciente de uma geração inteira que aprendeu a dançar com o coração em chamas.
Porque enquanto houver noite, amor e desejo, vai ter alguém colocando The Killing Moon pra tocar.
E esperando que o mundo acabe do jeito certo.
Com estilo.
Com alma.
Com o Echo & the Bunnymen.
1. Ocean Rain (1984)

“The killing moon / Will come too soon”
Isso aqui não é só o disco mais bonito do Echo — é uma obra-prima do século XX. É gótico sem ser clichê, é orquestral sem ser pomposo, é devastador sem fazer alarde. Cada nota em Ocean Rain soa como se estivesse flutuando num mar de lágrimas elegantes. The Killing Moon é simplesmente uma das maiores músicas já escritas. Ponto. E My Kingdom, Silver, Seven Seas… tudo em estado de graça. É o disco onde o Bunnymen virou mito.
2. Heaven Up Here (1981)

O céu desmoronando em câmera lenta.
O mais cru, o mais sujo, o mais visceral. Heaven Up Here é uma porrada existencial. É post-punk com alma, com neura, com raiva contida. A banda soa como se estivesse ensaiando no porão de um mundo prestes a acabar. Over the Wall é montanha-russa emocional. Show of Strength é ameaça. É disco pra ouvir com as luzes apagadas e o coração acelerado. Quando acaba, você não sabe se quer chorar ou sair correndo.
E tem a capa. Uma das mais lindas já feitas. Os quatro ali, na beira da praia, envoltos por tons frios, as gaivotas voando ao fundo como presságios.
3. Porcupine (1983)

Amor, desespero e distorção na medida certa.
É aqui que o Echo começa a ficar mais dramático, mais romântico, mais… fatal. O som é denso, a atmosfera carregada. McCulloch canta como se estivesse flertando com o abismo. The Cutter é um hino torto. Back of Love é caos dançante. Tudo parece prestes a explodir — e talvez seja essa a beleza.
4. Crocodiles (1980)

A estreia que já chegou arrombando a porta.
Eles surgem do submundo com ecos de Doors, Joy Division e Velvets, mas com uma pegada toda deles. É o disco mais direto, o mais garageiro, o mais noturno. Rescue, Villiers Terrace, Pictures on My Wall — são faixas que te pegam no primeiro riff e não largam mais. Se o post-punk tem alma, ela nasceu aqui.
5. Echo & the Bunnymen (1987)

O fim de uma era, mas ainda com faísca.
O último antes do colapso. Já dá pra sentir a exaustão criativa, o cansaço, o mundo mudando — mas ainda tem lampejos. Lips Like Sugar é hit doce e amargo. Bedbugs and Ballyhoo tem groove. Não tem a mesma urgência dos anteriores, mas tem charme, tem memória, tem ecos. Um suspiro bonito antes do silêncio.
6. Reverberation (1990)

Sem McCulloch, sem alma — mas ainda assim curioso.
É o disco renegado. Ian McCulloch tinha saído, Pete de Freitas tinha morrido. Era outra banda. Mas se você ouvir de coração aberto, tem coisa boa aqui. Enlighten Me é uma bela surpresa. O som é mais psicodélico, mais ensolarado, mas falta aquele peso existencial que fazia o Echo ser o Echo. Curioso, mas não essencial.
7. Evergreen (1997)

O retorno com dignidade, mas sem a faísca de outrora.
Eles voltaram nos anos 90 tentando soar modernos sem perder a essência. E até que conseguiram. Nothing Lasts Forever é linda. O disco tem momentos — mas também tem uma leve sensação de déjà vu, de que já ouvimos isso melhor antes. Um reencontro honesto com o passado, mas com os fantasmas já um pouco mais calmos.
8. What Are You Going to Do with Your Life? (1999)

Boa pergunta, Echo
Aqui a coisa já esfria. É mais maduro, mais contido, mais adulto — mas talvez seja exatamente isso que tira o brilho. A banda soa envelhecida, domesticada. Tem beleza em Rust, tem melancolia em History Chimes, mas no geral falta o fogo, a sombra, a poesia cortante. Um aceno elegante, mas não arrebatador.
E é isso. Oito discos. Oito atmosferas. Oito fases da lua.
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