Wilco toca no C6 Fest como se estivesse costurando o coração do mundo
- Marcello Almeida
- há 2 dias
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Uma noite em que tudo fez sentido

Não importa se você estava na Tenda Metlife ou escutando de longe, com os olhos fechados. Porque o Wilco não faz shows — o Wilco faz a vida fazer sentido. Em sua apresentação no último dia do C6 Fest (25), São Paulo não viu apenas uma banda tocar. Viu uma banda salvar.
Jeff Tweedy entrou no palco com a roupa de sempre — camisa, barba, cabelos que não pedem permissão pra crescer. Mas o que ele carrega no peito vai além da estética: é o dom de transformar confissão em hino, melancolia em catarse. O Wilco tem esse poder raro de reunir milhares de pessoas em um lugar e ainda assim fazer parecer que ele tá cantando só pra você. Só pra curar o teu vazio.
O primeiro acorde soou às 19h20, e foi como se o dia tivesse parado ali. As luzes baixas da Tenda, o calor que ainda subia do chão de concreto, a respiração presa de quem esperava esse momento há anos. Quando a banda começou a tocar “I Am Trying to Break Your Heart”, um silêncio tomou o ar. Não era respeito — era rendição. A plateia entregou-se inteira logo nos primeiros minutos. Era como se cada palavra daquela música ecoasse dentro das entranhas da gente, como se Tweedy tivesse acesso a uma dor que nem a gente tinha nomeado ainda.
E então veio “Jesus, Etc.”. E é impossível não se emocionar com essa canção. É impossível não lembrar de alguém que foi embora. De alguém que ficou. De alguém que a gente ainda ama. A melodia é simples, mas carrega o peso de um mundo inteiro. O arranjo parecia suspenso no ar. A cidade lá fora continuava pulsando — mas ali dentro tudo era outra coisa. Era íntimo. Era sagrado.
A Tenda Metlife se transformou num confessionário coletivo. Gente que nunca se viu chorando junto, rindo junto, se olhando com aquele olhar que só a música é capaz de provocar. O Wilco tocava, mas parecia que o som vinha de dentro da terra, das raízes das árvores do Ibirapuera, da memória da cidade. Um som ancestral, que misturava country, rock alternativo, folk, ruído e silêncio. E a gente sentia isso na pele.
As músicas novas — como as faixas de Cousin e o recém-lançado Hot Sun Cool Shroud — mostraram que o Wilco não vive de passado. Eles seguem se reinventando sem trair a própria alma. As canções vinham carregadas de sutilezas, texturas, experimentações que exigiam atenção e recompensa. Eram diferentes, mas familiares. Como visitar uma casa nova e encontrar nela os cheiros da infância.
E o público — em transe. Ninguém gritava. Ninguém pedia hit. As pessoas escutavam. Com o corpo inteiro. Com o peito aberto. E isso diz tudo. No meio do caos, da velocidade, da fome por like, por distração, por espetáculo — o Wilco entregou silêncio. Profundidade. Reparo.
Eles encerraram o show por volta das 20h50, mas ninguém ali saiu igual. Era como se uma parte da gente tivesse ficado dentro daquela tenda. Como se a noite tivesse sido uma cirurgia invisível — e agora, de algum jeito, estávamos costurados por dentro.
O C6 Fest enerrou seu último dia com aplausos, sim. Mas também com silêncios. Com olhares. Com mãos dadas. Com abraços de estranhos que nunca mais vão se ver. E com a certeza de que, por uma hora e meia, a música fez o mundo doer menos.
Porque o Wilco não faz música — o Wilco faz memória. E, no Ibirapuera, a gente viveu uma que nunca vai morrer.