Jesus and Mary Chain – Honey’s Dead: eles mataram o mel, mas a sede continua
- Marcello Almeida
- há 18 horas
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Sangue quente, som puro ácido e erotismo niilista: o som do mundo explodindo pela lente escocesa mais suja dos anos 90

Se Psychocandy era uma missa negra conduzida entre o barulho e o desejo, e Darklands um enterro elegante para a inocência, Honey’s Dead é o corpo que volta à vida com a alma em ruínas, os olhos vidrados e uma navalha na língua. Nada aqui é gentil. Nada aqui é seguro. E talvez por isso tudo aqui seja tão malditamente excitante e gostoso.
Em 92, o mundo respirava grunge, dançava acid house e assistia à MTV com a cara colada na tela. Mas os irmãos Reid não estavam interessados em acompanhar moda nenhuma. Eles queriam destruir a própria sombra. Apontar o dedo pra Just Like Honey e dizer: “ela morreu. E a gente também.” O título já avisa: o doce acabou. O prazer agora vem da combustão. Da luxúria distorcida. Do veneno que entra pela orelha e desce queimando até o peito.
Pela primeira vez desde os primórdios, os Reid voltaram ao estúdio com uma arma a mais no arsenal: um baterista de verdade. E não qualquer um. Monti, do Curve — uma das tantas bandas-filhas do Mary Chain — trouxe para o jogo algo que Bobby Gillespie nunca teve: precisão brutal. A batida agora pulsa como coração de máquina. Um groove distorcido, funkado, imundo, mas matematicamente sensual. As faixas guiadas pela bateria eletrônica continuam ali — mas até elas parecem ter ganhado carne, como em "Reverence", que abre o disco com um breakbeat insano, um som que remete a vidro se quebrando e versos blasfemos como tatuagem na testa:
“I wanna die just like Jesus Christ / I wanna die just like JFK.”
É o caos com direção. A tempestade que aprende a dançar.
Produzido novamente com Alan Moulder — um verdadeiro arquiteto do barulho elegante — Honey’s Dead é mais coeso, mais seguro de si e, ironicamente, mais arriscado e experimental do que Automatic. A banda explora texturas sem perder o instinto. Há um senso de controle cirúrgico sobre o ruído. Os Reid fazem barulho com método. Estão mais refinados, mais perigosos, mais afiados do que nunca.
Teenage Lust é um sussurro lascivo num beco molhado onde a gente adora estar. Far Gone and Out é pop degenerado, melodia viciante, praticamente recoberta de sujeira analógica. Sugar Ray tem batidas e ganchos tão eficazes que foi parar num comercial de cerveja — sim, o Mary Chain vendendo álcool no horário nobre. Irônico? Rsrs. Talvez. Mas totalmente merecido. Porque o som que eles criaram aqui é viciante. Um chiclete feito de caco de vidro.
Até as mais subestimadas, como Good for My Soul, parecem gritar por atenção. Crocante, densa, maliciosa. Um blues elétrico pra almas condenadas. Já Almost Gold, conduzida pela voz de William, é a exceção encantada — um sopro de ternura torta, quase uma balada, quase uma redenção. Quase. Ainda bem que fica assim.
Há uma sensação constante de que o poço está secando. Como se os irmãos estivessem destilando os últimos goles de sua própria fórmula. O encerramento, Frequency, praticamente recicla Reverence com uma pitada de Roadrunner, do Modern Lovers. Mas a sensação é de fechamento. Um rito. Uma despedida raivosa que antecipa a mudança de pele que viria no minimalista Stoned & Dethroned.
Aqui, William e Jim dividem os vocais como irmãos siameses que odeiam e adoram suas metades. Um disco onde o controle e o caos finalmente encontram um ponto de fusão. Um disco que sangra, beija, morde e some na fumaça.
Honey’s Dead não é uma tentativa de renascimento. É uma celebração do próprio cadáver — maquiado, dançando, cantando com os dentes trincados. A melhor audição direta desde Psychocandy. Um disco que fede a desejo, a frustração, a rua molhada e alma em combustão.
O mel acabou. O veneno venceu.
E nunca soou tão bonito.
