Por que ainda ouvimos With or Without You, do U2?
- Marcello Almeida
- há 2 dias
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Porque ela entende que o amor, às vezes, também é um espinho. E mesmo assim, a gente continua ali. Esperando

Porque ainda tem coisa que nos atravessa e a gente não sabe como nomear. Porque ainda vivemos entre extremos: querer muito alguém — e, ao mesmo tempo, querer fugir. Amar até o fim — e, ao mesmo tempo, não caber mais dentro daquilo. With or Without You é sobre essa corda bamba que ninguém ensina a atravessar. E talvez por isso ainda nos persegue.
Lançada em 1987, no monumental The Joshua Tree, a música foi escrita por Bono a partir de um conflito real. Ele vivia um amor de verdade —Alison Hewson, com quem está casado até hoje — e, ao mesmo tempo, a vida em turnê, o peso da fama, o abismo entre o artista e o homem comum. O verso central é simples, mas rasga: I can’t live with or without you. Não é frase de efeito. É dilema existencial.
O baixo pulsante e constante, a guitarra que vai se acumulando devagar, a atmosfera quase suspensa: a música não corre, ela paira. Como se a qualquer momento fosse explodir — e nunca explode. Fica ali, vibrando em tensão. Assim como a letra, que nunca se resolve. Que não promete final feliz. Que só entrega o que existe: uma convivência com o impasse.
A imagem do espinho torcendo no lado, ou da cama de pregos onde ela me faz esperar, mostra que o amor não vem limpo. Vem com dor, com expectativa, com ausência. Há sacrifício no fundo de tudo. E há entrega — mas não é uma entrega leve. Quando Bono repete and you give yourself away, ele está dizendo: o amor exige tudo. Às vezes, até quem você é.
É por isso que a música ultrapassa o romântico. Fala de identidade, de renúncia, de tentar continuar inteiro enquanto o outro te dilui. O que torna With or Without You tão poderosa é esse equilíbrio entre o épico e o íntimo. É grandiosa, mas vulnerável. É confissão sussurrada dentro de uma catedral.
Ao vivo, ela é quase um ritual. Bono canta de olhos fechados, como se estivesse de volta naquele dilema. E a plateia canta junto como quem entende. Porque todo mundo já passou por isso: a relação que machuca, mas também sustenta. A presença que sufoca, mas a ausência que mata. A vontade de ir embora e, no mesmo instante, de voltar correndo.
O tempo passou, o U2 virou instituição, reinventou sua sonoridade, atravessou décadas. Mas With or Without You ficou. Continua sendo aquela música que você coloca quando não sabe se quer insistir ou desistir. Quando você está no meio do nada — e sente tudo ao mesmo tempo.
A gente ainda ouve With or Without You porque ela traduz o que a gente nunca conseguiu dizer. Porque ela entende que o amor, às vezes, também é um espinho. E mesmo assim, a gente continua ali. Esperando.
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