Por que ainda ouvimos Black, do Pearl Jam?
- Marcello Almeida
- há 1 hora
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Ouvimos Black porque ela continua dizendo o que a gente não consegue dizer

Tem músicas que não envelhecem — não porque são atemporais, mas porque sabem ir lá no fundo da alma. Black é uma delas. E talvez a gente continue ouvindo não por nostalgia, mas porque ela ainda nos diz alguma coisa que nenhuma outra música consegue dizer.
Lançada em 91, no disco Ten, a faixa nunca foi single. Nunca teve clipe. A gravadora queria empurrar pra rádio. O Pearl Jam não deixou. Eddie Vedder resistiu, porque sabia que aquela música era íntima demais pra virar produto. Era uma coisa entre ele e o mundo. Entre ele e a dor.
Ten é um álbum denso, escuro, cheio de urgência e angústia. Um disco de estreia que já chega com os dois pés na alma, tratando de temas como abandono, abuso, suicídio, culpa, raiva, sobrevivência. E Black aparece ali como a faixa 5 — bem no centro emocional do disco. Não é à toa. É como se ela estivesse segurando tudo, como se dissesse: sim, existe dor, mas também existe beleza nisso. E às vezes, beleza e dor são a mesma coisa.
A canção nasceu a partir de uma demo instrumental de Stone Gossard. Vedder ouviu, sentiu, e transformou aquilo num desabafo íntimo sobre o fim de um relacionamento — não qualquer fim, mas aquele tipo de fim que não tem vilão, só tempo, mudança, vida. Ele mesmo já disse que Black fala sobre “deixar ir”, sobre como raramente um relacionamento sobrevive ao simples fato de que as pessoas crescem em direções diferentes.
A letra traz imagens visuais que cravam no peito: sheets of empty canvas, untouched sheets of clay — lençóis de tela vazia, de argila intocada. Imagens que falam de tudo aquilo que poderia ter sido, mas não foi. Potenciais abortados, futuros que se dissolveram no presente. Quando Vedder canta all five horizons revolved around her soul, ele está dizendo que tudo — absolutamente tudo — girava em torno daquela pessoa. E quando ela vai embora, o mundo perde o eixo.
Mesmo sem promoção, sem vitrine, Black atravessou décadas como um hino secreto. Um desabafo que virou coral. Porque todo mundo já sentiu, em algum momento, aquilo que explode no verso: I can feel their laughter, so why do I sear? — “consigo sentir o riso delas, então por que eu ardo?”. O mundo segue, as crianças brincam, o sol ainda brilha. Mas por dentro, você está queimando.
Ao vivo, a canção ganha outra dimensão.Vedder canta como se ainda doesse. Como se a ferida estivesse ali, no microfone. Em muitas apresentações, ele estende a canção num improviso chamado We belong together, como quem não consegue se despedir de verdade. E é ali que mora o poder da faixa: ela não se resolve. Ela permanece.
No final, vem a aceitação — amarga, generosa, real: I know you’ll be a star in somebody else’s sky, but why can’t it be mine? É quando o amor vira luto. Quando a gente deseja o bem do outro, mas carrega o próprio vazio. Porque Black é sobre isso: amor, perda, amadurecimento. Sobre o que não volta. Sobre o que não se desfaz, mesmo quando a gente deixa ir.
Ouvimos Black porque ela continua dizendo o que a gente não consegue dizer. Porque ainda tem dias em que a gente sente falta de algo que nunca mais vai voltar — e tudo bem. Porque a música entende. E acolhe.