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Machuca e o Chile de 1973 — O golpe visto pelos olhos de quem ainda sonhava

Antes do golpe, havia inocência. Depois dele, só restou o silêncio dos que viram tudo

Cena do filme Machuca de Andrés Wood 
Imagem: Divulgação

Machuca é o cinema em sua forma mais pura e necessária. É a arte como espelho de um tempo em ruínas. É sobre todas as histórias que precisam ser contadas — aquelas que abrem os olhos, despertam a consciência e moldam o que há de mais humano em nós. Um filme que fala do Chile, mas também de todos os lugares onde a desigualdade ainda respira. Um retrato de um país dividido, corroído por um golpe militar, visto pelos olhos inocentes de duas crianças.



O longa de Andrés Wood é uma joia que une o íntimo e o político sem perder a honestidade intelectual que o sustenta. Ambientado no Chile de 1973, o filme acompanha o país em ebulição, quando a ascensão de Salvador Allende representava esperança para uns e ameaça para outros. Enquanto o Brasil vivia os anos duros da ditadura militar, o Chile caminhava rumo a um golpe que transformaria a história latino-americana. As políticas sociais de Allende, voltadas à redução das desigualdades, foram tratadas como ofensa pela elite, que reagiu com medo e desprezo.


É nesse cenário que nasce a amizade entre Gonzalo Infante (Matías Quer) e Pedro Machuca (Ariel Mateluna). Dois meninos de mundos opostos: um, filho da classe média alta, cercado de conforto; o outro, morador de uma favela feita de madeira e papelão, em meio à pobreza extrema. Eles se encontram no colégio católico Saint Patrick, quando o padre McEnroe decide oferecer bolsas a crianças carentes — um gesto de integração social que, mais tarde, seria punido pelo autoritarismo.


Machuca é doce, comovente e devastador. Um filme que te pega pela ternura e te destrói pela lucidez. Sob o olhar infantil, Wood constrói uma narrativa que traduz o Chile de Pinochet sem didatismo, apenas com gestos, silêncios e olhares. A câmera observa o choque entre mundos, o amor e a amizade nascendo em meio à intolerância, a pureza sendo arrancada pela força bruta do poder.


Cada olhar entre Gonzalo e Machuca carrega o peso de um país fragmentado. Cada descoberta é também uma perda. As atuações são de uma força que dispensa palavras, há uma verdade nos olhos, uma tristeza que cresce com o avanço da repressão. O filme, em sua delicadeza, escancara o horror.


Cena do filme Machuca, de Andrés Wood
Imagem: Divulgação

No fim, o que Machuca revela é que o abismo social é a maior das violências. E que nenhuma ditadura é capaz de calar a memória da infância, esse território sagrado onde ainda existe a possibilidade de igualdade.



É cinema com C maiúsculo.É poesia filmada com sangue e ternura.Um daqueles filmes que você não esquece porque te muda por dentro, e porque lembra que, mesmo no meio do caos, ainda há espaço para a amizade, a inocência e o sonho de um mundo mais justo.

Capa do filme Machuca

Trailer do filme:

⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️


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