LUX: quando a fé vira espetáculo sonoro
- Caue Almeida

- há 53 minutos
- 2 min de leitura
Rosalía abandona a produção densa de MOTOMAMI e abraça o brilho com um art-pop luminoso sobre autoaceitação, fé, alegria e poder criativo no auge

Rosalía sempre teve um modus operandi: o de parecer uma artista diferente a cada disco, sem nunca perder sua estranheza particular. Depois do tsunami cultural que foi MOTOMAMI (2022), ela retorna com LUX, um álbum que chegou cercado de murmúrios — gente chamando de “projeto maximalista” e uma "experiência de fé”. E, por mais exagerado que pareça, você sente tudo isso na primeira audição.
A sensação de ouvir LUX pela primeira vez é de cair num portal. A forma como ela entrelaça vocais impecáveis com inspirações clássicas, estruturas expansivas e narrativas cheias de devoção e vulnerabilidade… tudo soa tão grandioso que é difícil saber o que fazer com o próprio corpo depois que o álbum acaba. A própria Rosalía definiu o disco como “maximalista”, inspirado por santas que ela pesquisou após MOTOMAMI — e é exatamente isso que se escuta: uma artista estudiosa, obcecada, entregue.
A abertura, “Sexo, violencia y llantas”, já te puxa pelo colarinho: aquele boom de synth seguido por vocais perfeitos e um coro quase litúrgico te coloca num estado de alerta espiritual. A ponte para “Reliquia” é deslumbrante. Violinos mais agressivos, uma letra sobre deixar pedaços de si pelo mundo e nunca ter o coração inteiro — e um refrão que é pura avalanche sonora.

“Divinize” e “Porcelana” expandem o multilinguismo da Rosalía, agora em inglês e coreano, preparando terreno para a monumental “Mio Cristo piange diamanti”. Aqui ela se declara, se confessa, implora — e quando canta “sempre, sempre”, parece que a voz dela abre uma fissura na terra. O final, quando ela sussurra instruções para a orquestra antes do boom final, é de arrepiar o esqueleto.
E então “Berghain” te joga num estado completamente diferente: uma das faixas mais hipnóticas e inventivas que ela já gravou, com participação da Björk e letras sobre buscar uma intervenção divina inalcançável. E tudo termina abrupto, como se alguém te desligasse da tomada.
Até as faixas menos marcantes, como “Dios es un stalker”, têm charme: aqui, ela vira a própria perseguidora, tentando substituir a sombra de um amor. Já “La yugular”, cantada em árabe, é um dos grandes momentos: “por você, eu destruiria o céu” — e esse crescendo com percussões ameaçadoras é de cortar o fôlego.
“Sauvignon Blanc” é um brilho à parte. Rosalía fala baixinho, quase num confessionário, dizendo que abriria mão de luxo, carros, pérolas — que largaria tudo para se aproximar do divino. E termina num riff lindo, quase frágil. E então chega “Magnolias”, o último adeus: oboé solo, vocal devastado, e o pedido para que joguem magnólias sobre seu túmulo — uma flor, não um símbolo de riqueza. Um fechamento que conversa com todo o espírito antimatéria do álbum.
No fim das contas, LUX é um estudo profundo da personalidade de Rosalía: sua fé, suas quedas, suas cicatrizes, sua feminilidade, suas raízes. É um álbum poliglota, polifônico, politeísta em emoção — e um projeto de alguém que pensa música com a seriedade de uma pesquisadora e a ousadia de quem parece que já viveu mil vidas artísticas.
















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