In Rainbows: quando o amor arde em silêncio e a alma dança por dentro
- Marcello Almeida
- 23 de mai.
- 3 min de leitura
Um disco sobre desejar demais. Amar demais. Sentir demais. E pagar o preço

“In Rainbows” não começa — ele emerge. Como quem acorda de um sonho úmido, ainda preso entre a febre e o toque. É o Radiohead do depois. Depois do colapso de OK Computer. Depois da desintegração de Kid A. Depois de tudo o que se perde quando a alma se cansa do futuro. Aqui, Thom Yorke e sua trupe voltam ao corpo. E o corpo, meu amigo, nunca mente.
O título engana. In Rainbows soa como um cobertor quente, como gatinhos em janelas coloridas. Mas nada no Radiohead é o que parece. Arco-íris também são feitos de vermelho, azul e verde — cores que, aqui, são sinônimos de febre, melancolia e vertigem. A paleta emocional do disco é densa. E sensual. E desconfortável. É o arco-íris depois do trauma. O suspiro depois do grito.
Lançado em 2007 com o revolucionário sistema pay what you want, o disco virou notícia como “o álbum que mudou a indústria”. Mas a real revolução estava dentro das faixas. Porque In Rainbows não grita. Ele sussurra coisas que você finge não ouvir. E te atravessa com a mesma suavidade com que um raio corta o céu: silencioso, mas fulminante.
Logo em “15 Step”, a batida eletrônica se mistura com palmas infantis e guitarras febris. É a dança do vício, o flerte com a ilusão. Yorke canta “You used to be alright / What happened?” — como quem escreve um bilhete pra si mesmo, de um passado onde ainda havia esperança.
“Nude” é um abismo. Uma oração do corpo nu, não no sentido carnal, mas existencial. “Don’t get any big ideas / They’re not gonna happen” — e aí está: a beleza do desencanto. O fracasso das promessas. A poesia da desistência. A faixa flutua como um lamento embebido em culpa, com cordas que não confortam — só expõem.
Em “Weird Fishes/Arpeggi”, mergulhamos. A guitarra de Ed O’Brien costura o espaço como se desenhasse ondas, enquanto a voz de Yorke guia o ouvinte para as profundezas do desejo. “I’d be crazy not to follow / Follow where you lead” — como alguém hipnotizado pelos olhos de quem o arrasta para o fundo. Uma canção sobre se afogar de propósito.
“All I Need” é carne crua. É obsessão. É entrega. “I’m an animal / Trapped in your hot car” — e não há metáfora mais desesperadamente honesta para um amor não correspondido. A produção claustrofóbica ressoa o sentimento: você sente a música na pele, como calor demais. Como algo prestes a explodir.
“Reckoner” é levitação pura. Guitarras em suspensão, vocais etéreos. É o Radiohead no seu ponto mais espiritual. “Dedicated to all you, all human beings” — e pela primeira vez, talvez, Thom Yorke esteja falando com o mundo inteiro. Sem ironia. Sem cinismo. Só amor.
E então chega “House of Cards”. Uma música feita de suor e névoa. Um momento em que o Radiohead flerta com a balada romântica — mas do jeito deles: sensual, torta, e perigosamente íntima. “I don’t want to be your friend / I just want to be your lover / No matter how it ends / No matter how it starts”. É luxúria pura. É abandono de si. Uma das faixas mais humanas e viscerais da banda.
“Videotape” encerra tudo com uma nota de epitáfio. Um homem sozinho diante do piano, revisando sua vida como quem rebobina uma fita prestes a se apagar. “This is my way of saying goodbye / Cause I can’t do it face to face”. Não tem refrão, não tem clímax. Só aceitação. Só fim.
Visualmente, o disco acompanha essa complexidade. A capa é um borrão explosivo de cores — como emoções que transbordam da carne. Uma abstração que não explica, mas sente. E sonoramente, é a síntese mais estimulante do Radiohead: canções acessíveis, sim, mas envoltas em camadas eletrônicas e manipulações de estúdio que impedem qualquer retorno fácil ao “rock de guitarras”. É um disco que evolui o tempo todo. Que nunca para de acontecer.
Porque In Rainbows não é sobre o futuro. É sobre o agora. O toque. O corpo. O que ainda resta depois que tudo se foi. É o disco mais quente, mais tátil, mais humano do Radiohead.
É a poesia que existe quando a tecnologia falha. Quando o amor fere. Quando o silêncio pesa. Quando só resta dançar no escuro e torcer pra não acabar.
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