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BelHell: Edyr Augusto e a violência como espelho do Brasil

Belém não é apenas cenário, mas um grito abafado de um país inteiro

Edyr Augusto
Edyr Augusto/ Imagem: Reprodução

BelHell* (Boitempo) é mais que um romance: é uma cicatriz aberta. Edyr Augusto, um dos maiores escritores contemporâneos do Brasil, condensa em frases curtas e cortantes a violência que estrutura não apenas Belém, mas o próprio país. A cidade surge aqui como metáfora, como corpo em decomposição onde a impunidade, o desejo e a corrupção se entrelaçam num ritmo febril.



Seus personagens não são arquétipos de heróis e vilões, mas fragmentos de uma sociedade que se devora. Prostitutas, policiais corrompidos, assassinos em série, órfãos que controlam cassinos, mulheres que descobrem sua sexualidade no meio da ruína. Nada é linear, tudo pulsa como um caos que insiste em respirar. É um romance que se lê como um soco: rápido, brutal, sem tempo para descanso.


A escrita de Edyr é feita de cortes secos, de gírias locais que soam como punhos: “pau na testa”, “carro prata”, “na mutuca”. É a oralidade da Amazônia convertida em estilo literário, uma espécie de noir amazônico que dialoga tanto com Rubem Fonseca quanto com Elmore Leonard, mas com raízes fincadas no Pará. O autor mobiliza sua experiência como jornalista, publicitário e poeta para erguer uma narrativa que mistura realismo cru e lirismo perverso.


Em BelHell, a violência não é gratuita: é estrutural, política, existencial. Edyr mostra o que os jornais noticiam, mas que raramente se converte em literatura — o tráfico, a corrupção, a formação de milícias, a desigualdade que atravessa todas as classes sociais. Seu texto explicita aquilo que o Brasil tenta esconder debaixo da retórica oficial. É um romance de denúncia, mas também um mergulho no abismo humano.



“Passou o fio cirúrgico no pescoço. Seu João era mais baixo e fraco. Nem lutou tanto. Cagou, mas foi só água, pouco. Ele que se esporrou todo ao sentir aquele corpo amolecer, a alma fugir. Cheiro de sangue, esperma, merda.” O trecho, dos mais viscerais do livro, mostra como Edyr não teme descrever a degradação em sua materialidade. Não há metáforas suavizadoras, há a vida em estado bruto — ou melhor, a morte.


Seus personagens, ainda que fictícios, se confundem com o real. O serial killer que goza ao estrangular, a jovem que enriquece no pôquer, a anã dona de bordel, a copeira que descobre o desejo entre mulheres. São existências marginais que se cruzam num retrato da Belém caótica, esquecida por muitos, mas que traduz em si o Brasil inteiro.


A grandeza de BelHell está justamente em ser local e universal. Edyr escreve sobre Belém, mas nos entrega o Brasil. E ao entregar o Brasil, dialoga com o mundo: sua obra já foi traduzida e premiada fora do país, mostrando que a violência e a desigualdade não são exclusividade nossa, mas ganham aqui uma densidade singular. Como disse Tolstói, quanto mais fiel à aldeia, mais universal é a literatura.


Edyr Augusto nasceu em Belém em 1954, estreou em 1998 com Os Éguas, e desde então construiu uma obra consistente que mistura urgência e brutalidade. Em BelHell, lançado cinco anos depois do aclamado Pssica, ele radicaliza a violência, expõe ainda mais as entranhas da Amazônia urbana e mostra que sua literatura não é feita para confortar — é feita para inquietar.


Ler BelHell é se expor a um espelho que não perdoa. É reconhecer na degradação de Belém a degradação do Brasil. É compreender que, em terras onde a riqueza é abundante mas mal distribuída, a ficção não é fuga: é denúncia. Edyr não oferece salvação, mas a consciência de que o inferno é aqui.


(*contração de Belém com “hell”, inferno em inglês)
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⭐⭐⭐⭐⭐

Título: Belhell

Temáticas: Thriller, Policial

Editora: Boitempo Autor: Edyr Augusto

Ano: 2020 (1ª Edição)

Páginas: 152 Idioma: Português

Dimensões: 20,8 x 13,6 cm


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