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Nirvana Nevermind: o que dizer de um disco sobre o qual já se falou praticamente tudo?

 O som de um grito que ninguém conseguiu calar

Nirvana
Imagem: Reprodução

Nevermind não é apenas um disco lançado em 91. Ele é um fantasma que atravessa gerações, um corpo estranho, que se recusa a ser assimilado pelo tempo ou pelo próprio modismo. Trinta e quatro anos depois, ele continua soando atual não porque nos leva de volta aos anos 90, mas porque nos lança para dentro de nós mesmos — para aquele território onde a apatia, a raiva e a melodia convivem em tensão permanente.



Muito já se falou sobre o álbum que colocou o Nirvana no centro do mundo: a explosão de Smells Like Teen Spirit, a “voz de uma geração”, o marco zero do grunge no mainstream. Mas em 2025, repetir esses rótulos seria reduzir um disco que é, acima de tudo, um retrato incômodo do que significa estar vivo numa época que já parecia sufocante — e que hoje, em muitos sentidos, é ainda mais.


O paradoxo do sucesso


Clipe de Smells Like Teen Spirit

A gênese do Nevermind é contraditória. Gravado com a intenção de soar mais acessível que o bruto Bleach, ele foi o cavalo de Troia perfeito: músicas com estrutura pop, refrões grudentos, embaladas em guitarras distorcidas e uma urgência punk. Essa fórmula, pensada para abrir portas, acabou criando um monstro que devorou os próprios criadores. Kurt nunca se sentiu confortável em ser ícone, e o disco carrega essa tensão.


É engraçado pensar que, antes da fama, ele já dizia que, um dia, faria um disco maior que o R.E.M. e Michael Jackson. Ele conseguiu. Algo, porém, ainda não estava certo: o garoto que morou debaixo da ponte, expulso de casa, desacreditado, agora era o símbolo de uma geração, mas continuava inquieto, insatisfeito, à beira do limite.


Entre a raiva e a melodia


Ouvir Nevermind hoje é perceber como ele envelheceu sem se acomodar. In Bloom, Come As You Are, Lithium — todas trazem melodias que poderiam ser pop perfection, mas são sabotadas por distorções, ruídos, interpretações torturadas. É como se o Nirvana tivesse construído um disco para soar eterno justamente por não se entregar totalmente ao que esperavam dele.


Há uma beleza áspera, um desconforto que mantém cada faixa viva. Entre raiva e melodia, o Nevermind já anunciava, mesmo que vagamente, nas entrelinhas, o que viria no explosivo In Utero, antecipando, de forma precoce, os caminhos que Kurt e a banda iriam seguir, como se cada acorde carregasse o peso de sua própria queda.


Profecia para uma juventude ansiosa



Em 91, críticos apressados disseram que Kurt era “a voz da geração X”. Em 2025, soam proféticas suas letras fragmentadas, seu desencanto, sua recusa em fazer sentido pleno. Aquela apatia raivosa parece ter previsto o colapso emocional das gerações seguintes, que vivem imersas em hiperexposição digital, atenção fragmentada e consumo instantâneo de música, imagens e corpos.


O disco não só envelheceu bem: ele antecipou o caos que viria, mostrando que a profundidade exige tempo, paciência e atenção — coisas que a cultura digital raramente oferece. Como seria se Nevermind fosse lançado hoje, na era dos streaming, nesse mar infinito de álbuns sendo produzidos diariamente, sem falar nas músicas produzidas por IA, como seria diante desse consumo ansioso e veloz da música, de plataformas como TikTok?



O peso do silêncio e o engajamento social


Mais do que o som, o silêncio de Kurt depois do sucesso tornou-se parte inseparável do disco. O incômodo dele com a fama, a recusa em ser transformado em produto, vivem fortemente em nossa cultura atual, onde influenciadores e marcas tentam adultar crianças e jovens com pressa, vendendo imagens e consumos precoces. Cobain era engajado, crítico, atento à exploração e à desigualdade. Sua postura nos lembra que a música e a arte podem ser um espaço de resistência, um refúgio contra a mercantilização da vida humana e da atenção.


Hoje, esse legado continua a influenciar artistas que buscam autenticidade em meio a pressões comerciais, mostrando que é possível criar sem se submeter às demandas imediatas do mercado. Mais do que nostalgia, o Nirvana permanece como alerta: a profundidade artística e emocional exige tempo, escuta atenta e coragem para resistir à superficialidade do consumo digital, oferecendo ainda hoje um espaço de questionamento, reflexão e empatia para aqueles dispostos a ouvir.


O disco como obra inacabada

Imagem: Reprodução
Imagem: Reprodução

Talvez por isso Nevermind nunca tenha se fechado em si mesmo. Ele é um ponto de ruptura: o fim da inocência no rock, o começo de uma nova era, mas também um prenúncio de fim trágico. O álbum não soa como uma obra concluída, mas como um grito interrompido. Um início que já trazia o germe da sua própria implosão.


Mais de três décadas depois, o disco não é nostalgia, nem peça de museu. É uma obra que sobrevive porque se recusa a se estabilizar. Ele envelheceu bem não porque soa “atual”, mas porque ainda nos provoca a pensar sobre nós mesmos, sobre a música, sobre o peso da autenticidade e sobre o valor da atenção em tempos de consumo instantâneo.


Ouvir o álbum hoje é entender que Kurt Cobain não foi apenas um produto do seu tempo, mas alguém que pressentiu o mal-estar permanente da modernidade, resistiu às pressões e ainda nos deixa perguntas fundamentais: o que estamos dispostos a sacrificar pela fama? Até que ponto nossa atenção vale? Ele foi além do seu tempo porque nunca quis se encaixar nele.


No fim, Nevermind continua sendo exatamente o que foi desde o início: o som de um grito que ninguém conseguiu calar.



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