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Zona de Interesse: quando o silêncio revela a verdadeira face do mal

O horror não precisa ser mostrado para ser sentido

Cena de Zona de interesse, de Jonathan Glazer
Crédito: A24

Poucos filmes recentes tiveram a coragem de nos deixar diante do mal sem os artifícios do espetáculo. Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, não mostra a barbárie em close, não nos entrega o choque fácil das imagens históricas. Pelo contrário: escolhe o silêncio, a distância e a rotina. E é justamente nesse gesto que o filme se torna um dos retratos mais brutais do nazismo — e, de forma assustadora, de nós mesmos.


Visto hoje, passado o calor do lançamento e o burburinho dos prêmios, o longa se impõe como uma obra de permanência. Ganhou o Oscar, percorreu festivais, dividiu a crítica, e ainda assim segue ecoando na memória coletiva como algo indigesto, impossível de esquecer. Não é apenas cinema sobre o Holocausto: é sobre a normalização da violência, sobre a facilidade com que o ser humano convive com horrores desde que estes estejam do outro lado do muro.



Jonathan Glazer filma a família Höss vivendo confortavelmente à sombra de Auschwitz. O jardim florido, a piscina, os risos das crianças: tudo se constrói como uma encenação doméstica banal. Só que o espectador sabe o que há por trás daquele muro. A fumaça, os gritos, os tiros ao fundo — quase apagados, mas sempre presentes. O filme transforma o público em cúmplice de uma vigília impossível: testemunhar a rotina da indiferença.



Esse é o ponto mais perturbador. Rudolf Höss e sua esposa não aparecem como monstros caricaturais. São gente comum, preocupada com a casa, os filhos, o prestígio social. É nessa banalidade que reside o terror. Hannah Arendt já havia nomeado essa lógica: o mal pode se travestir de normalidade, de eficiência administrativa, de vida “bem organizada”. Zona de Interesse retoma essa reflexão e a devolve ao espectador com uma força atemporal.


Cena de Zona de interesse, de Jonathan Glazer
Crédito: A24

Assistir a esse filme em 2025 é reconhecer que ele não fala só de Auschwitz, mas do presente. Dos discursos de ódio que circulam sem freio, da violência transmitida ao vivo em telas de celular, das guerras que seguimos encarando como estatísticas distantes. É esse espelho que torna o longa insuportável e necessário. Não se trata de reviver o passado, mas de compreender como ele insiste em se repetir, com novas formas e novos muros.


Glazer constrói sua narrativa com frieza cirúrgica, fotografia estática e planos que nunca se aproximam demais. Essa estética produz incômodo porque elimina qualquer alívio emocional. Não há catarse. O filme não quer nos fazer chorar, mas nos obrigar a encarar o silêncio. E, ao fim, quando os créditos sobem, resta apenas um vazio denso: não sabemos se o pior é o que vimos ou o que ficou fora de quadro.


Zona de Interesse não é um filme para gostar. É um filme para carregar. Para lembrar que, às vezes, o cinema mais perturbador é aquele que se recusa a mostrar — porque confia que o espectador já sabe, e que esse saber nunca deveria deixar de doer.



Esse texto é um olhar atualizado sobre a obra; leia o original aqui.

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⭐⭐⭐⭐⭐

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