Marcello Almeida
- 4 de out. de 2023
- 3 min de leitura

Wilco reacende sua chama experimental em 'Cousin', um álbum interessante e cativante

A banda de Chicago resgata habilmente o seu lado experimental.

No álbum anterior, 'Cruel Country' lançado em 2022, o Wilco retornou às suas raízes iniciais com um som mais simples, direto e com camadas folk. No entanto, com 'Cousin,' seu mais recente trabalho, a banda de Chicago resgata habilmente o seu lado experimental, liderado por Jeff Tweedy e companhia. Este disco representa uma mudança notável para a banda, pois eles optaram por abrir mão de algum controle durante o processo de gravação, algo que não é muito comum. Wilco convidou a renomada artista experimental de pop, Cate Le Bon, para produzir as sessões e contribuir com sua habilidade nos teclados. Essa colaboração beneficia todas as partes envolvidas e acrescenta uma nova dimensão ao trabalho.

O 13º álbum da banda apresenta uma notável familiaridade com 'Yankee Hotel Foxtrot' No entanto, a presença já mencionada de Le Bon na função de produtora adiciona um intrigante toque de excentricidade ao trabalho, enquanto as letras refletem as preocupações e inquietações de um homem mais maduro. Talvez seja o disco do Wilco com o poder e teor político mais acentuado. A banda permanece atenta aos acontecimentos do mundo, ao mesmo tempo em que colhe os frutos da vivência e do envelhecimento.

No entanto, uma coisa que o Wilco nunca perdeu é a sua habilidade de criar ótimas canções e explorar todos os limites de sua criatividade. A chama que foi acendida com "Yankee Hotel Foxtrot" ou "Sky Blue Sky" em 2007 está mais vibrante do que nunca. As canções melancólicas sempre foram um bálsamo em sua discografia, sendo profundas e repletas de paixão pelo que fazem. Isso fica evidente logo na faixa de abertura, "Infinite Surprise", com toques experimentais e uma atmosfera climática envolvente, daquelas que só eles sabem conduzir de maneira inspiradora. Algo nessa canção soa desconexo, passando a imagem de uma demo ao estilo Talking Heads.

"Ten Dead" soa áspera, densa e apresenta ótimos elementos e acordes de guitarras penetrantes. Aqui, encontramos o bom e velho Wilco. A voz cansada de Jeff ajuda a contextualizar a mensagem da canção com versos como: "I woke up this morning/And I went back to bed/Ten dead, ten dead." Logo no início do disco, parece que eles já estão revelando suas imperfeições, hesitações e momentos de vulnerabilidade e caos. No entanto, tudo se harmoniza com a atmosfera do trabalho.

Algo interessante no som do Wilco é que, para aqueles que acompanham a banda há mais tempo, sabem muito bem que encontrarão uma experiência profundamente emocional e imersiva. No entanto, em 'Cousin,' temos uma perspectiva um tanto distinta, em grande parte moldada por um escritor que agora tem duas décadas a mais de vivências em comparação ao autor de "YHF". Caso da bonita e intimista "Levee", onde Tweedy jorra versos como: “Adoro tomar meus remédios, como disse meu médico."

Entretanto, seria um tanto arriscado afirmar que o Wilco está tentando uma mudança drástica e sem precedentes ou buscando uma nostálgica tentativa de reviver momentos do passado. 'Cousin' é um álbum que evoca sensações simultaneamente familiares e distintas, satisfatórias e perturbadoras, como uma montanha-russa em alta velocidade carregada de emoções, desejos e saudade, mas que também se conecta com a vida no presente.

Mesmo em "Soldier Child", possivelmente a faixa mais direta deste álbum, há uma qualidade um tanto hesitante e cambaleante perceptível em seu solo de guitarra vibrante. "Evicted", por outro lado, pode emular, de longe, uma certa familiaridade com os discos de George Harrison do início dos anos 70, mas as guitarras dessa faixa conseguem criar uma onda espectral totalmente única e sutilmente atraente.

São coisas que o Wilco sabe fazer muito bem. Este espírito, que estava adormecido, foi lindamente despertado com a ajuda de Le Bon. Às vezes, trazer alguém de fora do círculo pode ajudar a quebrar as bolhas que limitam a criatividade e as ideias. Produzir um disco é como escrever: você precisa fugir de si mesmo e visitar outros lugares e mundos em sua imaginação. A faixa-título evoca todos esses detalhes e fragmentos, que, quando são unidos com aquele toque agridoce, expandem a capacidade da banda de transitar por arranjos simples e experimentais. E essa mutação do Wilco sempre gera belos frutos.

Aqui temos uma banda que continua avançando de forma única mesmo após três décadas de carreira, o que por si só é uma surpresa infinitamente cativante.