Truman — O filme que ensina a dizer adeus sem perder o afeto
- Marcello Almeida
- 18 de jun.
- 3 min de leitura
Um filme sobre o fim, mas também sobre tudo o que vale a pena antes dele

Tem filmes que chegam devagar, como uma visita inesperada. Não fazem barulho, não batem à porta com urgência. Apenas entram, sentam ao seu lado e te olham nos olhos. Truman, de Cesc Gay, é exatamente isso: um sopro calmo no meio do caos, uma despedida sem grito — mas com alma.
Ricardo Darín dá vida a Julián, um ator em fim de linha, separado, exausto, doente. Um homem que decidiu parar de lutar contra o câncer e, em vez disso, começou a lutar por algo mais simples: uma morte digna. Daquelas que não arrastam o corpo por corredores frios de hospital, mas que encontram paz em cafés, caminhadas e conversas sinceras. Sua única companhia diária é Truman, o cão de olhar triste que parece entender tudo — sem dizer uma palavra.
E então chega Tomás, vivido com imenso afeto por Javier Cámara. Um amigo de verdade. Daqueles que você pode não ver há anos, mas que ainda sabem a cor exata do seu silêncio. Ele vem passar quatro dias com Julián. Quatro dias. É só isso. E nesse intervalo, o filme nos mostra que não precisa de grandes reviravoltas pra falar de tudo que importa: o medo de partir, o medo de ficar, o amor que fica no meio.
Não é um filme sobre o câncer. Nem sobre a morte. É sobre estar junto. Sobre o jeito como dois amigos encaram o abismo de forma prática e afetuosa, às vezes rindo, às vezes em silêncio. Cesc Gay dirige com delicadeza e coragem. Não empurra lágrimas nem vende otimismo enlatado. Ele respeita o fim. E por isso, transforma ele em recomeço.
Há algo de especial nos enquadramentos: são íntimos, respeitosos, como quem pede licença pra observar dois homens conversando sobre tudo que a vida ainda guarda — mesmo quando ela já está indo embora. A fotografia não grita, ela sussurra. A luz bate com cuidado nos rostos marcados, realça os momentos com tons quentes e frios, e acompanha o ritmo da amizade sem se impor.
Mas o centro gravitacional do filme é Truman. O cão. A presença muda, mas cheia de sentido. Ele não está ali só como enfeite emocional. Truman é o espelho dos afetos, o receptáculo do que não se consegue dizer. Quando Julián procura um novo lar pro seu cachorro, ele não está só cuidando do animal — está tentando garantir que algo de si sobreviva. Truman é o amor que ele não quer deixar órfão.

E é isso que torna o filme tão poderoso. Porque ele não fala de amizade como cartaz de rede social. Ele mostra a amizade real, aquela que sobrevive ao tempo, à distância, ao silêncio. Aquela que não cobra, que não precisa de explicação. Que sabe a hora de rir e a hora de apenas ficar ali. Que transforma quatro dias em eternidade.
Truman é daqueles filmes que carregam peso, mas também ternura. Que falam sobre o fim da linha com uma leveza surpreendente. Que te lembram que talvez o sentido da vida esteja mesmo nas coisas pequenas: em um abraço hesitante, num café dividido, num cachorro de olhar triste. Ou num amigo que atravessa o oceano só pra te dizer, com a presença: “tô aqui”.
No fim, é isso que fica. Não o câncer. Não a dor. Mas o gesto. A presença. O afeto. E Truman — que caminha ao lado dos dois amigos como um anjo silencioso — nos lembra que a vida pode ser dura, mas nunca é totalmente cruel quando temos alguém por perto.

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