Como Treinar o Seu Dragão – Live Action emociona ao reencontrar a magia sem trair o original
- Marcello Almeida
- há 2 dias
- 3 min de leitura
Um dragão nunca muda. A gente é que esquece como é voar

Como Treinar o Seu Dragão – Live Action não tenta ser outra coisa. Não quer subverter, nem lacrar, nem inventar moda. Ele apenas pega o que já era bonito, coloca rostos humanos e adiciona aquela dose de aventura e emoção. E talvez seja justamente aí que resida sua força: não em querer superar a animação de 2010, mas em nos lembrar por que ela era mágica — e ainda é.
A desconfiança e o pé atrás eram inevitável. Em tempos em que o live-action virou epidemia sem alma — versões plastificadas de histórias que já funcionavam —, era legítimo o medo de ver a relação entre Soluço e Banguela ser sacrificada no altar do hiper-realismo. Mas o que Como Treinar o Seu Dragão entrega é justamente o contrário: um filme que não tem vergonha de ser o que sempre foi, e que entende que fidelidade não é rigidez, mas respeito com alma.
Dean DeBlois retorna ao próprio legado com uma reverência quase poética. Quase quadro a quadro, quase palavra por palavra, mas com um tempero novo: a densidade da carne, o peso do olhar humano, o acerto de contar uma história com mais silêncio do que explicação. O que poderia soar como “trabalho escolar bem-feito” ganha força emocional por saber onde colocar a emoção sem gritar, e isso faz toda a diferença.
A trama segue a mesma espinha dorsal. Soluço, o menino franzino que nunca cabia no molde do pai viking, decide não matar o dragão mais temido, e a partir desse gesto nasce um elo que atravessa tradições, medos, feridas e guerras. Mas agora, com Mason Thames — o mesmo de O Telefone Preto — o personagem ganha uma aura melancólica, quase quebradiça, que amplia a vulnerabilidade do protagonista sem diminuir sua coragem.

E ao lado dele, Nico Parker, que já havia nos desmontado em The Last of Us com apenas um episódio, entrega uma Astrid com mais estofo, mais nuance, mais charme. Ela ganha mais espaço, mais motivação. Não é apenas par romântico, mas presença que impõe respeito, equilíbrio e afeto. Ela brilha, mas sem roubar cena — ela soma.
Gerard Butler retorna como Stoico, o pai que impõe mais medo do que amor, mas que carrega nos olhos o peso de um mundo que está ruindo. E é nesse ponto que o live-action ganha musculatura emocional: o relacionamento entre pai e filho se torna ainda mais espesso, mais denso, mais humano. Há afeto nos gestos que não foram ditos. E isso é cinema.
Visualmente, Como Treinar o Seu Dragão não tenta impressionar pela pompa do CGI, mas pela composição afetiva dos quadros. A ilha de Berk pulsa com textura e vento, com neblina e madeira rachada. O mundo não é estéril, é habitado. E Banguela… ah, Banguela. Continua sendo o que sempre foi: o coração da história. Seus olhos verdes, seus gestos de gato e cachorro ao mesmo tempo, sua inteligência brincalhona e leal. A criatura digital que mais parece real do que muitos humanos por aí.

E tem uma coisa que só o cinema consegue fazer: te deixar criança de novo. Te dar a chance de ir com seus filhos pela mão, dividir um pacote de pipoca e ver os olhos deles brilhando com o primeiro voo de Banguela pelo céu. É uma daquelas experiências que não se esquecem. Não é só nostalgia — é reinício. É passar o bastão de um amor antigo pra uma geração nova. E isso, meu amigo, não se traduz em streaming. Se vive na poltrona.
As cenas de voo voltam com aquela trilha de John Powell — agora com arranjos mais delicados —, e são pura entrega. É impossível não se arrepiar. Impossível não desejar, secretamente, um dragão de estimação. Não pela aventura, mas pela solidão que ele vem preencher.
É verdade que o filme não ousa muito. Em alguns momentos, o déjà vu pesa. Algumas falas são recicladas quase ao pé da letra. Mas isso não diminui sua beleza. Porque o filme não está aqui pra atualizar, está aqui pra reconectar. Não quer surpreender. Quer emocionar de novo. E consegue.
Se a Disney perdeu o tato e a memória tentando modernizar seus contos ao ponto de esterilizá-los, a DreamWorks faz o caminho contrário: ela volta às origens com cuidado e sensibilidade. E acerta em cheio. Porque algumas histórias não precisam de maquiagem nova. Só de um novo olhar — com os olhos marejados de quem já viveu isso antes e ainda quer viver mais uma vez.

No fim, o live-action de Como Treinar o Seu Dragão não é uma nova história. É uma memória reativada. Um reencontro com algo que a gente achava que tinha superado, mas que ainda mora dentro da gente. E, às vezes, é só isso que a gente precisa pra lembrar como era voar.
