Por que ainda ouvimos “There Is a Light That Never Goes Out”, dos Smiths
- Marcello Almeida
- há 23 horas
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Há noites em que a vida parece não caber em lugar nenhum

Um ônibus de dois andares atravessando a rua e esmagando dois corpos apaixonados. O exagero não é metáfora barata: é a fantasia de que morrer ao lado de alguém pode ser mais belo que sobreviver sozinho. Morrissey canta isso sem ironia, sem medo do ridículo. É uma confissão sem freios — a felicidade absoluta, mesmo que termine em desastre.
O personagem dessa canção não tem lar. “It’s not my home, it’s their home, and I’m welcome no more.” O eco de Rebel Without a Cause está ali: o jovem que não pertence, que vaga sem abrigo, que procura um refúgio no olhar de quem o aceita. Se a casa não o acolhe, que seja qualquer rua, qualquer carro, qualquer noite. Que seja uma companhia que faça a solidão cessar.
Johnny Marr costura guitarras que soam como lembrança e ferida ao mesmo tempo. Há Marvin Gaye, há Rolling Stones, mas sobretudo há a urgência de existir antes que tudo desabe. Porque essa música não fala de futuro — fala do agora. Do desejo de ser visto, amado, levado embora.
E no entanto, no meio de tanta morte imaginada, há uma chama que insiste em permanecer. There is a light that never goes out. A luz que não se apaga não é apenas esperança: é teimosia. É a lembrança de que mesmo os deslocados, os que não cabem em lugar nenhum, carregam dentro de si algo que resiste.
Ainda ouvimos essa canção porque ela expõe, sem enfeites, aquilo que não sabemos dizer. O nosso medo de não pertencer. O nosso anseio de sermos levados para longe. A nossa sede de um amor tão devastador que preferimos morrer a deixá-lo passar.
E talvez seja justamente isso o que arde até hoje: a verdade insuportável de que, por trás de cada solidão, há sempre uma luz pedindo para não ser apagada.