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Por que ainda ouvimos The Flame, do Cheap Trick?

Porque tem músicas que a gente não escuta só com o ouvido. Escuta com a falta. Com a lembrança. Com a parte da alma que ainda espera

Cheap Trick
Foto: Michael Putland/Getty Images

Lançada em 1988, The Flame surgiu quando o Cheap Trick parecia já ter passado pelo seu auge. E, no entanto, foi justamente ali, no que parecia um fim de ciclo, que eles entregaram sua música mais vulnerável. Uma balada carregada de dor, promessas e um amor que não sabe morrer.



A canção começa suave, com o silêncio entre as notas dizendo tanto quanto a melodia. Another night slowly closes in… — e pronto: estamos dentro da solidão. A narrativa é simples, mas universal. Alguém que perdeu, que sente falta, mas que ainda se mantém presente. Não com o corpo — mas com a chama.


Quando o eu lírico canta I’ll be the flame, ele não está tentando reconquistar. Ele está aceitando. É o tipo de amor que transcende a reciprocidade. Amor que continua mesmo depois da ausência, mesmo depois do fim. E isso dói — porque todo amor incondicional carrega um pouco de abandono, como já dizia nosso poeta Cazuza.


A psicologia nos ensina que a dor da perda é também dor de identidade. Quando amamos alguém profundamente, partes de quem somos se fundem com o outro. E quando essa pessoa vai embora, sobra um espaço vazio — um espelho rachado. A música toca nesse ponto: no lugar onde a ausência do outro nos desnorteia sobre quem somos.


E ainda assim, o narrador promete: “onde quer que você vá, eu estarei com você”. A entrega é total, quase cega. Ele se oferece como presença constante, mesmo invisível. Como memória. Como farol. Como chama. O tipo de amor que não exige mais nada — apenas se mantém.



The Flame também tem algo de metafísico. Amor, aqui, não é mais apenas sentimento — é estado de existência. Algo que se instala e não depende de tempo, distância ou retorno. Uma espécie de fé no outro. Um tipo de oração.


E é por isso que ela ainda toca. Porque mesmo quem nunca viveu um romance intenso, já conheceu a sensação de manter viva alguma coisa que o mundo já considerava encerrada. E mesmo quem nunca se declarou, já teve vontade de dizer: “eu ainda estou aqui — mesmo que você não esteja mais.”


O arranjo ajuda. A música vai crescendo devagar, como se tivesse medo de se quebrar no meio do caminho. Ela não grita. Ela insiste. Até explodir — não em raiva, mas em entrega. É grandiosa sem ser exagerada. E dói sem ser dramática. É o tipo de música que parece ter sido escrita com o coração na mão.



O tempo passou, o Cheap Trick voltou aos palcos, seguiu sua trajetória. Mas The Flame ficou. Porque é daquelas que não precisam ser redescobertas — só precisam tocar uma vez pra acender algo que a gente achava apagado.


A gente ouve The Flame porque, no fundo, todo mundo já quis ser lembrado assim. Como uma presença que não se apaga. Como uma chama que, apesar de tudo, ainda arde.



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