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Por que ainda ouvimos “Pet Sematary”, dos Ramones

Entre a vida e a morte, há uma voz que insiste em voltar

Ramones em 1989
Imagem: Reprodução

Há canções que não envelhecem, apenas mudam de significado conforme o mundo se apodrece um pouco mais. “Pet Sematary”, dos Ramones, é uma delas. Lançada em 1989, dentro do álbum Brain Drain, ela nasceu como trilha para o filme Cemitério Maldito, inspirado na obra de Stephen King. Mas o que era, à princípio, uma canção sobre o medo do retorno dos mortos acabou se transformando num espelho do nosso próprio tempo, um tempo em que todos querem, de algum modo, voltar.



O videoclipe da faixa é um retrato perfeito do fim dos anos 80, uma estética sombria e teatral, em que os Ramones caminham entre túmulos, cruzes e névoas, como se estivessem participando do próprio velório. As luzes artificiais, o tom kitsch e a ironia visual transformam o horror em espetáculo, uma mistura de Halloween e rock’n’roll. É um clipe que traduz o espírito da canção: a morte como performance, o medo como arte. O punk encontra o cinema B, e dali nasce algo maior, um símbolo do que era ser underground num mundo que começava a se digitalizar.


Dee Dee Ramone escreveu a letra logo após ler o livro, e nela condensou um terror que ultrapassa o sobrenatural: o de perder a própria humanidade. O álbum também marca o fim de uma era: foi o último com Dee Dee, o baixista e principal letrista do grupo. Seu adeus carrega um peso simbólico, é como se ele tivesse pressentido o esgotamento de uma geração, a ressaca do punk e da juventude. Dee Dee foi o coração errático dos Ramones, o autor que transformava caos em canção. E em “Pet Sematary”, sua despedida soa quase como um epitáfio, melódico, sombrio e bonito demais pra morrer.


Quando Joey canta “I don’t wanna be buried in a Pet Sematary”, não é só um grito contra a morte, é um pedido para não reviver de forma distorcida, vazia, sem alma. E o mais perturbador é perceber o quanto essa recusa continua atual.



Vivemos a era da reanimação: bandas que voltam, filmes que retornam, vidas editadas para parecerem eternas em telas luminosas. Talvez “Pet Sematary” soe hoje como uma ironia trágica, o punk que zombava da imortalidade acabou sendo ressuscitado mil vezes, transformado em estética, em camiseta, em algoritmo. Mas ainda assim, há algo genuíno ali. Há uma centelha que resiste ao tempo e à caricatura.


Em Brain Drain, a faixa se ergue como uma prece às avessas: dançamos sobre a morte, mas conscientes dela. E no centro de tudo está Joey Ramone — dono de uma das vozes mais poéticas do punk. Ele não gritava como quem quer destruir o mundo, mas como quem o ama demais para vê-lo morrer. Sua voz trazia um tipo raro de melancolia, uma ternura que fazia o horror soar humano. Nessa canção, especificamente, ele canta como quem compreende que o verdadeiro inferno não é o túmulo, mas a tentativa desesperada de escapar dele.



Hoje, “Pet Sematary” nos fala sobre permanência, sobre o medo de sumir — e sobre a beleza de aceitar o fim como parte da história. É uma canção que atravessa gerações porque entende a morte não como encerramento, mas como eco. E talvez seja por isso que ainda a ouvimos: porque há algo de eternamente vivo até mesmo naquilo que já foi enterrado.




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