Por que ainda ouvimos Bitter Sweet Symphony, do The Verve
- Marcello Almeida

- 23 de out.
- 4 min de leitura
A vida é uma sinfonia feita de pequenos desencontros

Quando Bitter Sweet Symphony ecoou pela primeira vez, em 1997, o mundo ainda acreditava que o rock britânico podia mudar o destino das coisas. O The Verve, liderado por Richard Ashcroft, lançava o monumental Urban Hymns e, sem perceber, escrevia o epitáfio do britpop. O som das cordas, o loop infinito, aquele passo obstinado do homem no clipe atravessando a multidão, tudo ali era símbolo de uma geração que tentava continuar andando mesmo quando o mundo empurrava na direção contrária.
A canção nasceu de um paradoxo. É feita de esperança e desencanto, de grandeza e frustração. “Tryin' to make ends meet, you’re a slave to money, then you die.” É a consciência de que vivemos dentro de um sistema que suga a alma — mas também de que ainda existe beleza na tentativa de resistir. O título já dizia tudo: uma sinfonia agridoce, o doce e o amargo coexistindo, como se Ashcroft nos dissesse que o sentido da vida está justamente nesse choque entre dor e transcendência.
O verso “I can’t change... my mold” traduz essa impotência diante da engrenagem social, a sensação de estar preso a um molde invisível, repetindo padrões que não escolheu. E quando ele canta “the only road I’ve ever been down”, há uma rendição melancólica, um reconhecimento de que seguimos a mesma estrada que todos percorrem: a da sobrevivência, a da rotina, a da busca incessante por algo que dê sentido. O mundo moderno, afinal, é esse lugar onde as veias se cruzam — “where all the veins meet” —, ponto de encontro das dores e esperanças humanas.
A canção que encerrou uma era
Lançada como o primeiro single de Urban Hymns, “Bitter Sweet Symphony” foi o estalo final do britpop, aquele momento em que o glamour e a euforia cederam lugar ao cansaço e à introspecção. Enquanto Oasis e Blur duelavam pelos holofotes, o The Verve entregava algo mais espiritual, quase redentor. A canção era um espelho da época: a Inglaterra de Tony Blair, a cultura do consumo, a juventude que amadurecia em meio à ilusão de progresso.
Mas por trás do esplendor, havia ruína. O loop de cordas que dá corpo à faixa veio de uma versão orquestral de “The Last Time”, dos Rolling Stones, o que levou a uma das batalhas judiciais mais simbólicas da história da música. O The Verve perdeu os direitos da própria canção, que passou a ser creditada a Mick Jagger e Keith Richards. Só em 2019, mais de vinte anos depois, Ashcroft recuperaria a autoria de volta — um ato de justiça tardia, mas poético: a canção que falava sobre ser prisioneiro do sistema finalmente se libertava dele.
Essa disputa, de certo modo, complementa a filosofia da letra. Assim como o narrador que tenta escapar de um molde social inquebrável, Ashcroft também viveu sua própria batalha por liberdade. O sistema da indústria fonográfica se mostrou tão cruel quanto o sistema capitalista que a música denuncia, e ainda assim, ele resistiu.
O eco visual e filosófico

O videoclipe de “Bitter Sweet Symphony” é uma das imagens mais poderosas dos anos 90. Ashcroft caminha pelas ruas de Londres sem desviar dos obstáculos, como se desafiasse o mundo inteiro com seu passo. É o homem comum atravessando o caos da modernidade, o indivíduo que insiste em continuar mesmo quando tudo parece empurrá-lo de volta. Cada esbarrão é uma metáfora da existência: tropeçamos, colidimos, seguimos, porque parar seria morrer.
Há algo de profundamente filosófico nesse gesto. “Você é escravo do dinheiro e então morre”, diz o verso, em uma crítica direta à lógica consumista que reduz o ser humano à função de produzir e pagar contas. E, ainda assim, a música não se entrega ao niilismo. Existe beleza em cada nota, como se a arte fosse o último refúgio da alma em meio ao colapso.
Hoje, quase três décadas depois, a canção ainda soa como uma reflexão contemporânea sobre o esgotamento e o desejo de autenticidade. Em tempos em que todos parecem correr na mesma direção, Bitter Sweet Symphony continua nos lembrando que é possível seguir o próprio compasso, mesmo que o mundo não nos ouça.
Richard Ashcroft voltará ao Brasil em 2025, abrindo os shows da turnê de reunião do Oasis. É quase um círculo completo: o homem que encerrou o britpop, agora, reacende sua chama ao lado de quem o iniciou. Há nisso uma simbologia poderosa, como se o tempo tivesse dado voltas apenas para provar que certas melodias não pertencem a uma era, mas à condição humana.
Porque no fim, Bitter Sweet Symphony não é apenas uma canção. É uma confissão universal: a vida é feita de ciclos que se repetem, de dores que se transformam em beleza, e de passos que insistem em seguir mesmo quando o mundo inteiro anda na direção contrária.
Porque no fim das contas, somos todos uma sinfonia inacabada, tocando, mesmo quando ninguém mais ouve.















Comentários