Por que ainda ouvimos Girls Just Want to Have Fun?
- Marcello Almeida

- 22 de ago
- 3 min de leitura
Talvez porque ela nunca tenha sido só sobre “se divertir”

Cynthia Ann Stephanie Lauper nasceu em 22 de junho de 1953, no Queens, em Nova York. Desde menina, cercada pela voz de gigantes como Ella Fitzgerald e Billie Holiday, aprendeu que a música podia ser um espaço de liberdade. Incentivada pela mãe a explorar sua criatividade, pegou o violão aos 12 anos e começou a compor, dando seus primeiros passos na arte que a acompanharia para sempre. Mas não foi um caminho reto: tentou estudar artes visuais, largou a escola aos 17, e precisou enfrentar uma Nova York dura até se reinventar. Essa inquietação, esse desejo de não caber nas molduras, foi o que moldou a artista que o mundo conheceria anos depois.
O grito colorido de resistência com Girls Just Want to Have Fun
Cyndi Lauper não apenas cantou uma canção pop dos anos 80. Ela a transformou em manifesto. Quando lançou Girls Just Want to Have Fun em 1983, como parte do clássico 'She's So Unusual', Lauper fez algo raro: pegou uma música escrita por um homem nos anos 70 — originalmente carregada de um tom machista, em que as mulheres apareciam mais como objeto do que sujeito — e a subverteu completamente. Ao seu toque colorido, rebelde e único, a faixa deixou de ser um retrato antiquado para se tornar um hino de empoderamento e liberdade feminina.
O gesto está nos detalhes: versos como “Some boys take a beautiful girl / And hide her away from the rest of the world” se transformam, na voz de Lauper, em recusa. Ela não aceita a ideia de ser escondida, controlada, protegida. Pelo contrário: quer caminhar ao sol, viver intensamente, rir, dançar — existir em plenitude. Na sua interpretação, o “se divertir” não é trivialidade. É política. É libertação.
E há também a dimensão íntima, cotidiana. Quando Lauper canta para a mãe, reconhece as pressões sociais, as limitações impostas, mas responde com leveza: “Oh, mother dear, we’re not the fortunate ones / And girls, they wanna have fun.” É um recado direto a uma geração inteira: mesmo sem privilégios, mesmo diante das amarras, as mulheres têm direito de viver a vida em sua própria potência.
O videoclipe reforça esse espírito com cores, irreverência e a própria mãe de Cyndi participando da cena. É pop, é divertido, mas também é um retrato de união feminina — uma explosão contra a caretice e as regras sufocantes da época. Não à toa, a canção sobrevive como símbolo de um tempo que se abriu para novas vozes, novas formas de estar no mundo.
Décadas depois, Lauper ainda revisita esse hino. Quando o transformou em “Girls Just Want Equal Funds”, em campanha por igualdade salarial, mostrou que a música não envelheceu. Ela apenas se atualiza, pois a luta segue. Entre luzes de neon, cabelos coloridos e melodias radiantes, há ali um grito que continua a ecoar: as garotas querem — e merecem — viver a vida em liberdade.
E talvez hoje ela soe ainda mais urgente. Vivemos tempos em que as manchetes escancaram a violência contra as mulheres, em que o direito de existir livremente precisa ser reafirmado todos os dias. É aí que a cultura pop mostra sua força: uma canção colorida, dançante, alegre, mas carregada de significado, pode ser uma arma contra o machismo estrutural.
É por isso que ainda ouvimos Girls Just Want to Have Fun. Porque no fundo, essa não é apenas uma canção pop. É um espelho daquilo que ainda buscamos: leveza, autonomia, igualdade e a coragem de dançar na cara de quem insiste em dizer o contrário.















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