Em cento e vinte minutos de peça, as atrizes demonstram fôlego e vigor em um teatro tão necessário.
Foi muito feliz a escolha do livro Parque Industrial para adaptação teatral. O texto, muito bem manejado para as artes cênicas, foi dirigido por Gilka Verana e conta com mais ou menos vinte mulheres em sua ficha técnica entre atrizes, musicistas, parte técnica e outras.
O livro, assinado sob o pseudônimo de Mara Lobo, foi publicado em 1933, como uma tentativa de mostrar ao Partido Comunista, o qual ela já fazia parte mas havia sido afastada, sua efetividade na luta pela revolução. Neste contexto, a história trata da vida de mulheres trabalhadoras, colocando uma lupa na classe proletária narrando a vida de mulheres e evidenciando um ponto de vista feminino sobre a luta de classes e as opressões sociais da época. Considerando que, infelizmente, as opressões sociais da época não diferem muito das opressões sociais de hoje, a peça Parque Industrial conseguiu trazer à cena o contexto histórico em que o livro está inserido fazendo um paralelo com o contexto histórico atual.
A dialética que conduz a peça nos mostra cenas em que as personagens lutam por direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que mulheres mais ricas comentam sobre direito ao voto feminino. Enquanto isso, nos tecidos que delineiam o cenário, fazendo alusão as casas de costura, é projetado o vídeo de Dilma Rousseff com sua fala histórica: “(...) o golpe é misógino, homofóbico, machista e racista”. Neste momento, inevitavelmente, as lágrimas rolaram....
Pagu era uma normalista branca, paulista, que viveu uma intensa experiência artística. Mas, uma mulher de seu tempo. Mas, uma mulher de seu tempo? Tendo sido publicado na década de 1930 podemos dizer que é aceitável as falas racistas que a autora escreve em seu livro? Em cena, as atrizes pretas questionam e fazem um recorte de raça, apontando para o racismo estrutural que deve ser combatido diariamente e em diversos níveis e instâncias. Além dos questionamentos à escrita da época, a estética cênica também rompe padrões: atrizes pretas e brancas se revezam em personagens ricas, pobres, trabalhadoras, empregadoras etc.
As musicistas são excelentes e, além da música que tocam fazendo uso de diferentes instrumentos, as intervenções sonoras são muito bem construídas com outros objetos, como a máquina de escrever.
Em cento e vinte minutos de peça, as atrizes demonstram fôlego e vigor em um teatro tão necessário. Em cento e vinte minutos de peça é como se a hora não passasse porque o espetáculo nos tensiona e nos diverte, enquanto nos ensina e estimula. É panfletário no melhor sentido. É feminista e demonstra um lugar seguro de se pensar e desenvolver ideias. E, em determinado momento, nos enche de garra ao lembrar: Não vamos esquecer esses quatro anos.
“Eh, Pagu, eh! Dói, porque é bom de fazer doer....”
(Raul Bopp, do poema Coco de Pagu)
Serviço – Parque Industrial
Direção Gilka Verana. Com: Barbara Garcia, Bruna Betito e Emilene Gutierrez.
Onde: Oficina Cultural Oswald de Andrade - Rua Três Rios, 363, Bom Retiro, região central, tel. (11) 3222-2662. 16 anos.
Quando: Até 16/2. Ter. a sex., às 19h30, sáb., às 14h30 e 18h.
Valor: Grátis, retirada na bilheteria com uma hora de antecedência
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