Não é só rock’n’roll — são esses dez discos dos Stones
- Marcello Almeida
- há 13 horas
- 5 min de leitura
Alguns discos envelhecem. Esses aqui continuam suando, sangrando e gritando como se fosse ontem

O rock não nasceu em berço de ouro. Não vestia terno. Não falava bonito. O rock nasceu sujo, num beco escuro com cheiro de cerveja choca, cigarro molhado e pecado. E ninguém encarnou melhor esse espírito do que os Rolling Stones.
Enquanto o mundo se apaixonava pelos Beatles, os Stones olhavam torto, riam com desprezo e afinavam suas guitarras como quem prepara um golpe. Não queriam ser simpáticos. Queriam ser perigosos. Era blues do delta misturado com arrogância britânica, sexo com distorção, rebeldia com groove. Se os Beatles foram o sonho da juventude, os Stones foram o pesadelo mais charmoso — o que a gente acorda suando e ainda assim quer voltar pra dentro.
Durante seis décadas, eles atravessaram modas, revoluções, overdoses, mortes, renascimentos, todas as tempestades possíveis. Sempre com um cigarro na boca, um riff nos dentes e a certeza de que o rock não se faz com boas intenções — se faz com carne, suor, desvio e tesão.
Essa lista não é só uma seleção dos melhores discos. É um rito de passagem. Um retrato de tudo que o rock pode ser quando se leva até o limite. Aqui estão os dez álbuns que moldaram o caos, que ensinaram o mundo a dançar no abismo e a sangrar com estilo. Não são apenas discos: é a vida e história0 de uma banda que nunca pediu permissão. Só ligou o amplificador — e deixou o resto explodir.
10. Some Girls (1978)

Em 1978, o mundo era punk, disco, cocaína e neon. Os Stones, que já vinham de uma fase errática, decidiram voltar ao ringue com os punhos cerrados. Some Girls é a resposta insolente e revigorada de uma banda veterana que se recusa a virar peça de museu.
“Miss You” mergulha sem vergonha na pista de dança, enquanto “Beast of Burden” entrega uma das baladas mais honestas e vulneráveis de todo o catálogo da banda. É sujo, urbano e cínico — um disco feito com a fome de quem já teve tudo e ainda quer mais.
9. Out of Our Heads (1965)

Esse é o momento em que os Rolling Stones deixam de ser apenas bons intérpretes de blues e R&B e se transformam em uma força cultural incontrolável. É aqui que “(I Can’t Get No) Satisfaction” aparece pela primeira vez — um hino geracional construído sobre um riff imoral e uma letra que cospe frustração em cima de um mundo que não entrega o que promete.
O disco ainda está preso ao molde americano, cheio de covers e influências diretas, mas a urgência que ele carrega é visceral. É juventude embriagada pela própria insolência, pronta pra quebrar tudo e não pedir desculpas.
8. Tattoo You (1981)

Muitos ignoram que Tattoo You foi montado com sobras de estúdio, pedaços soltos de sessões antigas. Mas como toda obra-prima dos Stones, ele prova que o lixo de um gênio é arte em potência. “Start Me Up” é puro instinto — três acordes, uma levada pegajosa, uma libido inquebrantável.
Do outro lado do disco, “Waiting on a Friend” revela uma maturidade raríssima no universo do rock: é melancólica, elegante, quase espiritual. Esse álbum mostra que, mesmo quando improvisam, os Stones ainda conseguem soar mais vivos do que metade das bandas em seu auge.
7. Between the Buttons (1967)

Entre a ressaca da beatlemania e a explosão psicodélica, os Stones criaram um álbum estranho, encantado e perigosamente elegante. Between the Buttons não é um disco óbvio — ele se esconde em camadas de arranjos sofisticados e letras que oscilam entre o sarcasmo e a confissão. “Let’s Spend the Night Together” tem a urgência do desejo sem cerimônia. Já “Ruby Tuesday” é doce, mas melancólica como um adeus mal resolvido.
É um disco que captura um momento único: o instante em que a banda flerta com a fantasia, mas mantém os pés na sarjeta.
6. Beggars Banquet (1968)

Depois de experimentações coloridas, os Stones decidiram voltar ao barro. Beggars Banquet é a redescoberta do blues em estado bruto, mas com a arrogância e o cinismo já moldados. “Sympathy for the Devil” abre o disco com uma das performances mais satânicas da história do rock — uma provocação elegante, cheia de batuques, sarcasmo e sangue.
“Street Fighting Man” é pura revolta urbana, suando pólvora e caos. O disco marca o início da trilogia sagrada dos Stones — e mostra que, para soar eterno, às vezes é preciso se sujar de novo.
5. Let It Bleed (1969)

A década termina em desespero, e Let It Bleed soa como trilha sonora para o colapso. A abertura com “Gimme Shelter” é simplesmente um dos momentos mais assustadores e belos da música pop — uma canção sobre guerra, desejo e apocalipse. No final, “You Can’t Always Get What You Want” encerra o disco como um sermão profano, com coral gospel e resignação irônica.
No meio disso tudo, os Stones brincam com o country, o blues e o folk como quem joga dados em cima de um caixão. É um disco de fim de mundo, mas cheio de prazer.
4. Aftermath (1966)

Com Aftermath, os Rolling Stones assumem, pela primeira vez, o controle total do próprio repertório. Esqueça os covers: tudo aqui é Jagger/Richards, cuspido e afiando a língua. “Under My Thumb” é misoginia disfarçada de groove; “Out of Time”, que aparece na versão UK, é vingança melódica com orquestra. A banda experimenta com instrumentos exóticos, formas novas e climas estranhos, mas sem perder a alma suja que os define.
É um disco que representa o nascimento da banda como compositores reais — e como narradores perigosos da farsa chamada amor.
3. Goats Head Soup (1973)

Depois de alcançar o cume criativo com Exile, os Stones descem — não por falta de talento, mas por escolha estética. Goats Head Soup é um disco crepuscular, com cheiro de quarto fechado, lençol suado e maquiagem borrada.
“Angie” é uma das baladas mais tristes da história do rock, e “Winter” soa como uma carta escrita à mão por alguém que já desistiu, mas ainda ama. O disco inteiro é um retrato da decadência elegante, onde a beleza é melancólica e o brilho vem da sujeira. Um retrato perfeito da ressaca dos anos 70.
2. Sticky Fingers (1971)

Tudo em Sticky Fingers é excesso — e tudo funciona. A capa, criada por Andy Warhol, traz um zíper de verdade numa calça apertada. O som, por sua vez, é um desfile de estilos feitos para o prazer e a dor. “Brown Sugar” é provocação em forma de riff. “Wild Horses” é vulnerabilidade pura, nua, sem pose.
“Dead Flowers” transforma o country em sarcasmo embriagado. E “Moonlight Mile” fecha o álbum com beleza sufocante. É o disco mais lascivo, mais orgulhoso e mais elegante dos Stones.
Aqui, a sujeira vira arte.
1. Exile on Main St. (1972)

Não existe nada como Exile on Main St.. Gravado em porões abafados no sul da França, sob efeito de drogas, paranoia e exílio fiscal, o álbum soa como um diário espiritual de uma banda no limite. Não há ordem, não há limpeza, não há lógica. Só existe energia, alma e excesso.
É blues, gospel, soul, country — tudo ao mesmo tempo, tudo fervendo. “Rocks Off” é o caos inicial. “Tumbling Dice” é sedução em rotação baixa. “Shine a Light” é redenção no fim da linha. Exile não é só o melhor disco dos Rolling Stones. É o som do mundo girando torto e ainda assim dançando. É o coração do rock batendo forte mesmo depois de todas as cirurgias.