Garland se mostra um verdadeiro contador de histórias sinistras, ao lado de um elenco estelar que ajuda ao máximo provocar sua temática de horror
Quando se trata de revitalizar gêneros como Drama e Terror, o estúdio de cinema norte-americano A24 tem sido uma das maiores referências para o cinéfilo. Filmes como ‘Hereditário’ (2018) e ‘Midsommar – O Mal Não Espera’ (2019) mostram como a produtora sempre encontra novas direções e ousa em criar conceitos para fugir das características estigmatizadas dos já citados gêneros.
Geralmente são produções cercadas de polêmicas e de não tão fácil assimilação. E nem podem ser. Ao se distanciar em parte de padrões antigos e ampliar a dinâmica de gêneros, esses filmes acabam entrando numa polaridade de opiniões. São filmes que, na maioria das vezes, recebem o status de ‘mindfuck’, devido a enorme complexidade em interpretá-los.
Certamente essa foi a ideia do diretor Alex Garland que escreveu e dirigiu seu terceiro filme, ‘Men’ (2022). Trazer uma narrativa complexa feita não somente para acontecer durante a exibição do filme, mas também que permite se estender para debates com amigos, palestras de universidades e até inúmeras pesquisas na internet a respeito das simbologias, do folclore que carrega e da própria estranheza que causa. O promissor diretor havia causado impacto e desconforto nas duas produções que realizou, 'Ex-Machina: Instinto Artificial' (2014) e ‘Aniquilação’ (2018).
‘Men’ nos conta a história de Harper (Jessie Buckley) que, após enfrentar uma tragédia pessoal, resolve ir passar férias numa isolada cidade da zona rural inglesa. Mas ao chegar ao bucólico e remoto lugar, passa a sofrer com suas memórias e medos, além de perceber que o vilarejo não é tão tranquilo quanto prometia.
Embora exista um contorno suavizado através da bela fotografia e do cenário verdejante e idílico, o filme guarda um ritmo crescente de tensão que eclode desde quando Harper desfruta de uma maçã do jardim da casa. Por sinal, essa cena até revela uma possível alegoria ao Jardim do Éden, famosa passagem bíblica.
A própria residência que é apresentada pelo estranho jardineiro Geoffrey (Rory Kinnear) também cria no espectador um perfeito ambiente para os pensamentos, dores e memórias de Harper. É no interior da casa que participamos da intimidade da personagem e compartilhamos dos flashbacks que nos farão entender melhor a história, ou talvez não. A intenção de Garland é muito mais do que isso.
O clima claustrofóbico e de ruptura da passividade do lugar ocorre até mesmo no solitário e contemplativo passeio da personagem pelo bosque ao redor da casa. É impressionante como Garland cria cenas apreensivas sem apelar para jorros de sangue ou para o Terror exagerado (como faz na cena do túnel abandonado da ferrovia). Some a isso tudo a trilha sonora em perfeita sintonia de Geoff Barrow (Portishead) e Ben Salisbury.
O filme possui um elenco pequeno, mas é preciso ressaltar a forte atuação de Jessie Buckley e Rory Kinnear. A atriz é estupenda em deixar transparecer a carga emocional da personagem e todos seus sentimentos ao longo do filme: medo, inquietude, dúvida, dor, coragem. Por sua vez, Kinnear que vem se destacando como um extraordinário ator desde a série Penny Dreadful, aqui assume diversas facetas e consegue dar vida em várias personalidades que fazem diferença para a engrenagem do filme.
Os efeitos especiais complementam o visual bem cuidado do filme. Num desfecho que remete em parte ao cinema de David Cronenberg, é chocante e inesperado ver algumas cenas que podem soar perturbadoras mas que funcionam para acentuar a jornada impactante e bizarra de Harper. Para muitos espectadores, o filme pode carregar sua mensagem feminista demais, para outros, é uma narrativa desafiante para uma personagem que precisa viver e superar sua culpa, que pretende seguir adiante.
Um filme de Terror que não perde a herança do gênero, pelo contrário, pega elementos e recursos antigos e os coloca tudo em novas direções. Nada é fácil, a narrativa abre espaços para inúmeros entendimentos, acalora discussões. Entretanto, é mais uma produção que dialoga com a dificuldade dos relacionamentos humanos nessa Era Moderna, discute os traumas e as dores que suportamos, escancara o medo da solidão e da dificuldade de dar o passo para seguir a vida. Mas esse quebra-cabeça precisa ser montado no filme, como quase tudo que a vida real nos obriga.
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Lançamento: 2022
País: Reino Unido
Classificação: 18 anos
Duração: 100 min
Direção: Alex Garland
Elenco: Rory Kinnear, Jessie Buckley
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