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Longlegs: Vínculo Mortal une oculto enigmático e tensa investigação policial em trama sombria envolvente

Terror do diretor Osgood Perkins se sustenta com um Nicolas Cage diabolicamente à vontade em personagem bizarro e intimidador, além da ótima presença de Maika Monroe

 Maika Monroe em Longlegs
Imagem: Reprodução


Além das qualidades destacáveis que tanto contribuíram para associar a “Longless: Vínculo Mortal” o hype deste ano em seu respectivo gênero cinematográfico - e mais uma vez, bom dizer, não se pode ignorar a força de uma boa campanha de marketing bem engendrada - , o filme do diretor norte-americano Osgood Perkins pode servir como uma metáfora cinzenta e estranha que contempla alguns dos desafios mais assustadores do início da vida adulta: encarar uma carreira profissional, se manter longe da família, a solidão inevitável que acaba decorrendo em tudo isso e aquele medo indecifrável do que está por vir no próximo dia (ou noite).


A jovem agente do FBI Lee Harker, incrivelmente vivida por Maika Monroe, se vê em meio a esse emaranhado todo que assombra a sua vida pessoal e ainda tem que lidar com a responsabilidade duríssima de integrar uma investigação tomada por circunstâncias macabras e incompreensíveis até então. Acrescente-se a isso a árdua tarefa da manutenção de um cargo ocupacional em um ambiente profissional predominantemente masculino, e com isso a intensificação de um desdobramento particular que faça jus à tal condição.


Lee é tímida, introspectiva, desajustada socialmente e possui um certo dom especial, o qual se nota com o pouco tempo de exibição na tela. Ela é um exemplo incomum de workaholic, dada a incumbência típica que a envolve no seu âmbito de trabalho. Um tanto diferente da garota atraente e assustada que impressionou cinéfilos mundo afora em It Follows (“Corrente do Mal”), de 2014, uma joia alternativa cruelmente belíssima e surpreendente ao abordar o desejo sexual de uma juventude com todas as indefinições em seus caminhos longos a percorrer. Se há dez anos não passava de uma linda e grata promessa, eis que o talento revelado cumpre perfeitamente o esperado.


Osgood “Oz” Perkins já traz o horror correndo no sangue com a sua herança artística familiar, por ser filho do célebre e inesquecível Anthony “Norman Bates” Perkins. O diretor e também roteirista constrói uma narrativa tomada por uma atmosfera asfixiante, auxiliada pelas tonalidades trabalhadas, a prevalência de cores fortes, opacas e que proporcionam a dimensão de tristeza e desespero que permeia o desenrolar da busca por um misterioso serial killer que, desde a década de 1970, vem cometendo brutais assassinatos de famílias, sendo deixadas raras e confusas pistas, das quais as mais intrigantes e inexplicáveis são as mensagens escritas através de vários códigos, com a assinatura Longlegs. Uma possível referência aos crimes cometidos pela figura que ficou conhecida por ‘Assassino do Zodíaco’, terrível caso policial dos EUA jamais solucionado, brilhantemente levado às telas por David Fincher no impressionante longa de 2007, Zodiac (“Zodíaco”).


No primeiro ato, há uma cena que pode perfeitamente remeter a um fabuloso episódio da excelente série “Mare of Easttown”, protagonizada por Kate Winslet, na qual a atriz encarna uma detetive responsável por uma investigação de sinistros crimes de uma pequena localidade e, coincidência ou não com a agente Harker de Monroe em “Longlegs”, sua vida pessoal também é abarrotada de traumas e fantasmas.



Em uma passagem ou outra, se percebe o quadro do ex-presidente Bill Clinton na parede de alguma sala de repartição oficial, o que denota que a história macabra se passa nos anos 90. E não é à toa que Perkins procura, a seu modo, homenagear alguns dos grandes e inesquecíveis filmes da referida década, clássicos perturbadores da sétima arte que ainda assustam os admiradores do gênero e carinhosamente amedrontam suas memórias afetivas, sem perder a força e o poder de horrorizar espectadores com o passar dos anos. É tudo precisamente alinhado com essa concepção nostálgica proposta pelo realizador que a impressão, em boa parte da duração das quase duas horas, é que se trata mesmo de um cultuado thriller/suspense policial redescoberto de algum ano entre 1991 e 1995.


A pouca aparição de Nicolas Cage não impacta na proposição artística lindamente sombria de Perkins e só reforça o caráter de impotência e fragilidade humanas que se vincula a um contexto macabro, enigmático, desconhecido e brutal que, conforme caminha a busca de Lee Harker, irá se resvalar para uma extensão perversa e miserável do que o oculto possibilita de mais pernicioso. O Longlegs de Cage se compõe simultaneamente de uma singular caracterização do que há de mais bizarro, patético, monstruoso e cafona. E, por ser assim mesmo, a sua presença, quando ganha melhor visibilidade, já se garante no roll dos amados personagens históricos do universo do horror. A atuação magistral do célebre astro deixa aquela impressão de que ele sempre assombrou seus devotos cinéfilos, tamanha a destreza e aptidão notória com que encarnou o demoníaco ser obscuro do longa de Oz Perkins.  


Sempre bom se atentar aos valiosos easter eggs da cultura pop e eles são maravilhosamente encontráveis aqui também: Marc Bolan (T. Rex na trilha até ajuda o espectador a se ‘soltar’ da teia funesta em que foi empurrado, mesmo por pouco tempo), Lou Reed, Duran Duran e – até! – Bob Dylan de uma certa fase setentista (sim, atenção no rosto horroroso de Cage no filme, quando revelado). Importante frisar que foi mesmo uma sacada primorosa incorporar T. Rex a esta imersão escura e tenebrosa. Black Sabbath e seus filhotes do metal extremo carregaram essa culpa por tanto tempo e, ora, quem diria, o glam rock que é mesmo coisa do demo!


Importante destacar as ótimas contribuições para a desenvoltura desse enredo gótico, que são as participações de Blair Underwood, Alicia Witt e Michelle Choi-Lee. Esta última surge pouco na tela, mas sua personagem tem uma fala poderosíssima em dado momento, que é uma expressão contundente e oportuna perfeitamente cabível nesses tempos de fanatismo criminoso e intolerância religiosa, ao lembrar que uma sociedade democraticamente constituída se apoia na legítima laicidade do estado. Qualquer crença (ou mesmo a ausência dela) é legalmente permitida.  


Uma ou outra inconsistência diminui o impacto para o qual o desfecho no terceiro ato poderia ter se direcionado. Em muitos instantes, Perkins preocupou-se mais em fomentar aquele ‘medo do que está por vir’ (citado no início deste texto) do que propriamente o nebuloso evento e seu domínio de devastação nos personagens. Talvez um pouco mais de complexidade, de interesse em suscitar mais questionamentos do que respostas aparentemente fabricadas de imediato pudesse auxiliar para uma plausível resolução mais convincente. Porém, é digno ressaltar que elementos do fantástico/sobrenatural, ao emergirem com mais evidência, não estabelecem uma ruptura incongruente com o que foi trabalhado até ali. É um aspecto apreciável que merece ser positivamente observado com louvor na realização do diretor e roteirista.


Não há dúvida de que “Longlegs” ficará marcado – merecidamente – como um dos pontos mais altos na filmografia de Nicolas Cage, mas Maika Monroe é a grande força condutora inestimável dessa notável façanha lúgubre e satânica arquitetada por Osgood Perkins. Afinal, a coragem para enfrentar temores vindouros e certas vulnerabilidades expostas em Lee Harker são espantosamente humanas e perfeitamente comuns.

 

Longlegs -Vínculo Mortal

Longlegs

Ano: 2024

Gênero: Terror, Thriller

Direção: Osgood Perkins 

Roteiro: Osgood Perkins 

Elenco: Nicolas Cage, Maika Monroe, Blair Underwood, Alicia Witt, Michelle Choi-Lee

País: Estados Unidos

Duração: 101 min


 

NOTA DO CRÍTICO: 8,0

 

Trailer:


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