Entre ruínas e promessas: o que ainda pulsa em Closer, do Joy Division
- Marcello Almeida
- há 16 horas
- 3 min de leitura
Não para ser ouvido, mas para ser sentido. Como um lamento. Como um corpo presente.

A história do rock é atravessada por finais abruptos, trágicos, muitas vezes estúpidos. Acidentes, vícios, tiros. Mas a morte de Ian Curtis permanece como uma das mais assombrosas. Não por ser a mais violenta — mas por ser a mais silenciosamente anunciada.
Na madrugada de 18 de maio de 1980, aos 23 anos, Ian assistiu a Stroszek, de Werner Herzog, colocou The Idiot, de Iggy Pop, para tocar, e se enforcou na cozinha. A banda estava prestes a embarcar para os Estados Unidos. “Love Will Tear Us Apart” sairia dias depois. O mundo começava a ouvir o que o underground já sabia: aquela era uma banda que não se parecia com nada.
E então, dois meses depois, veio Closer.
Mas é preciso cuidado ao falar dele. Porque Closer não é apenas o último álbum de Ian Curtis. Ele é, em si, uma travessia. Um disco que não narra o fim — o encarna. Não encerra um ciclo — o queima. Lançado quando Curtis já era ausência, ele soa como se tivesse sido gravado depois da morte. Cada faixa pulsa como um eco do que já foi. Cada palavra é sombra. Cada silêncio, uma confissão.
“This is the way, step inside”, diz Ian na primeira faixa. E a gente entra. Mas não num disco comum. Entramos num velório. Num templo. Num espaço em que a dor não é histeria, mas estrutura.
Se Unknown Pleasures foi o controle — o pulso preciso, a arquitetura do colapso contido — Closer é desintegração. É a explosão dos limites. Martin Hannett, o produtor, parece abandonar qualquer desejo de coesão. Ao lado da banda, mergulha no abismo. O som já não é linear. Tudo se arrasta, desmancha, retorna em formas quebradas. Há chiados, ruídos, teclados lúgubres, ecos que parecem vir de dentro das paredes. As músicas não têm começo, meio e fim — têm estado.
“Atrocity Exhibition” abre o disco como um ritual estranho. A bateria gira em falso, a guitarra de Sumner range, o vocal de Ian soa como quem já não está mais aqui. “Isolation” aparece como uma marcha cruel, quase pop, com sintetizadores ásperos, que ironizam a própria dor. Em “Heart and Soul”, o torpor é denso, como se o tempo tivesse parado. “The Eternal” e “Decades” encerram tudo como num cortejo. Não há catarse. Há lamento. E reverência.
E no meio disso, “Twenty Four Hours”. Uma das canções mais intensas já gravadas. Começa como uma ferida contida. Explode. Silencia. Explode de novo. É o som de um corpo que ainda tenta resistir. A gravação em si parece respirar. Parece viva. E cansada.
A capa de Closer completa esse mergulho. Ao contrário de capas que gritam, esta sussurra. Um fundo branco, limpo, e ao centro uma imagem em preto e tons sombrios: figuras humanas num cenário fúnebre, como se ajoelhadas diante de um túmulo. Uma deitada, outra curva, uma quase de bruxo, todas em gesto de perda. É uma escultura real, fotografada no cemitério de Staglieno, na Itália. E embora tenha sido escolhida antes da morte de Ian, hoje parece profética.
A imagem não ilustra o disco — ela o sela. Como uma lápide silenciosa. Como se dissesse: aqui jaz algo que ainda respira. Aqui se cala algo que ainda canta. É, sem exagero, uma das capas mais belas e perturbadoras da história do rock. Não por ser impactante, mas por ser serena. Não há sangue. Não há lágrimas. Há só a aceitação do fim. E talvez seja isso o mais difícil de suportar.
Closer não é sobre a morte. É sobre o que resta depois dela. Sobre as vozes que ainda ecoam. Sobre os fantasmas que ainda dançam. É sobre falhar. Amar. Ceder. É sobre o corpo que não aguenta. Mas também sobre a arte que sobrevive. Se havia ainda algo a ser dito, foi dito ali. Com beleza, com dor, com lucidez brutal. E é por isso que esse disco continua tão vital. Porque em tempos de barulho, ele é silêncio. Em tempos de mentira, ele é verdade. Em tempos de pressa, ele é ruína.
Closer não foi feito para durar. Mas permanece. Não pediu para ser entendido. Mas exige respeito. Não quis ser eterno. Mas se tornou. Porque às vezes, sobreviver é o ato mais revolucionário.

⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️