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Em Dias Perfeitos, Wim Wenders traz à tona a beleza do cotidiano, muitas vezes esquecida diante do caos

A delicadeza e a beleza poética de Dias Perfeitos vão permanecer em você por um longo período.

Cena do filme Dias Perfeitos de Wim Wenders
Imagem: Reprodução.


Como seria um dia perfeito para você? Essa é a pergunta que permeia na cabeça nos instantes iniciais de Dias Perfeitos (Perfect Days), do renomado cineasta Wim Wenders, sobre uma Tóquio repleta de reflexões, arte e poesia. Um jeito singelo e simples de retratar a vida moderna na correria, estresse e caos diário. Uma obra minimalista, pontuada por muita música dos anos 60 e 70, inclusive o clássico de Lou Reed que dá nome ao filme; as canções aqui possuem um papel fundamental para ambientar a narrativa de Wenders sobre a vida e suas singularidades do dia a dia.



Com um olhar cirúrgico, o diretor traça uma narrativa que também fala nas entrelinhas sobre as angústias, aflições, desemprego e solidão, tudo acoplado em perfeita sintonia com a música, cultura e a literatura. Esse é aquele tipo de filme que consegue cativar e prender a atenção do espectador durante suas duas horas; você vai estar diante de um drama honesto sobre as coisas belas da vida cotidiana que por muitas vezes são esquecidas ou deixadas de lado pela escravidão de tempos modernos e acelerados.


Na trama, acompanhamos a rotina diária de Hirayama, muito bem interpretado pelo Koji Yakusho, um zelador que trabalha limpando os banheiros públicos da cidade. É através dele que somos apresentados a uma Tóquio vista com outros olhos, como se fosse um mundo paralelo entre o caos e a beleza dos pequenos detalhes. Apaixonado por música, fotografia e livros, Hirayama transforma seus dias, apesar de tudo, em dias perfeitos. Vivendo em seu próprio compasso, ele é um homem que parece deslocado no tempo, mas plenamente presente no momento, mesmo que esses momentos sejam simples. Ele encara o trabalho como uma oportunidade de se perder, ou talvez como um refúgio.


Na loucura desses tempos modernos e acelerados, é de se invejar Hirayama e sua rotina, sempre atento ao lado bom da vida, seja enquanto está tirando fotos de árvores, lendo seus livros ou ouvindo suas fitas cassetes, que logo entregam o gosto refinado do personagem, que sempre escolhe uma fita de rock para ouvir em sua van. Entre elas estão nomes como Lou Reed, The Animals, The Velvet Underground, The Kinks e Patti Smith.


Um homem totalmente analógico, fora do seu tempo, ou além do nosso tempo. A experiência de vida e toda singularidade que transborda de Koji, aos 68 anos, sua performance acaba se tornando uma aula mágica, banhada de nuances. Simplesmente encantador em cada detalhe. Claro que muitos desses detalhes preciosos do filme são capturados pela ótima fotografia de Franz Lustig, observando-o discretamente, mas afetuosamente.




O estilo de vida do protagonista, sempre contemplativo, mas nunca passivo, é o brilho do filme. Ele mora sozinho em sua pequena casa, junto de suas fitas de rock e livros. Acorda cedo, rega suas plantas, contempla o céu, o sol, anda de bicicleta pela cidade. A maioria do tempo, ele é calado; ouvimos muito pouco sua voz. Para ser sincero, os diálogos não fazem falta aqui; o silêncio diz muito mais do que palavras. As músicas escolhidas falam por Hirayama enquanto ele está contemplando a beleza que poucos enxergam.


Talvez Wenders esteja nos dizendo, ou nos mostrando, até mesmo defendendo, não apenas uma nova maneira de olhar, mas também uma nova forma de viver a vida. Sua afeição por Tóquio é evidente; seu jeito de filmar e retratar cada cenário, sempre buscando a beleza escondida e evitando os clichês, sugere que Dias Perfeitos está destinado a envelhecer muito bem.


Quem já é familiarizado com a filmografia do diretor conhece seu jeito singular e único; em Dias Perfeitos, é Wenders sendo cada vez mais Wenders. Nas lacunas e pequenos detalhes entre tomadas de câmera, fotografia e roteiro, ele está nos dizendo que a sociedade muitas vezes prefere o novo e o inesperado, desconsiderando a repetição. No entanto, há momentos em que a rotina pode nos trazer felicidade e conforto. Em contraste com a visão predominante, na música e na arte, os padrões repetitivos podem ser agradáveis e até mesmo sublimes.


Muito de suas obras estão presentes em pequenos detalhes em momentos de silêncio; o cineasta já se aventurou por muitas abordagens. Filmes como Kings of the Road (1976) foram notáveis pelos seus silêncios, camadas e a maneira como o espaço central da obra foi retratado. No entanto, desde Asas do Desejo (1987), ele tem transformado seu jeito de enxergar o cinema, sendo cada vez mais minucioso e reflexivo, mas poucos tiveram o mesmo apelo que esta fábula necessária para os dias atuais.


O longa destaca essa ideia de que a rotina pode ser fonte de felicidade. Portanto, devemos reconhecer o valor dela em nossa vida, em vez de desprezá-la automaticamente. E isso é notório no olhar de Koji, que conseguiu dar ainda mais vida ao filme. Em uma das cenas, em sua van diante do horizonte, seus olhos vislumbram entre sorrisos e lágrimas, enquanto no toca-fitas Nina Simone canta Feeling Good. Este pode ser o grande ápice do filme; são poucos minutos, mas que valem por toda a vida.



O filme nada mais é do que um lembrete sobre os prazeres e felicidade que encontramos nos livros que lemos, nos discos que ouvimos, no silêncio que partilhamos. Nosso interior pode estar vivendo um caos, assim como a conta bancária. Entretanto, na alma singela de Dias Perfeitos, existe uma mensagem que descontrói aquela ambição de que é preciso ter muito dinheiro para ser feliz. Hirayama nos mostra que é possível encontrar a paz e alegria com tão pouco, mas no fundo Wenders sabe e compreende a cultura japonesa e sua busca constante pela forma de vida adequada, onde até as tarefas mais triviais devem ser realizadas com perfeição.

 

Dias Perfeitos

Perfect Days


Ano: 2023

Países: Japão e Alemanha

Gênero: Drama

Direção: Wim Wenders

Roteiro: Win Wenders

Elenco: Koji Yakusho, Aoi Yamada, Tokio Emoto, Yumi Asô

Classificação: 12 anos

Duração: 123 min


 

NOTA DO CRÍTICO: 9,0

 

Trailer:









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