Close é sobre tudo aquilo que não coube em palavras, sobre a inocência que se desfaz no silêncio
- Marcello Almeida
- 13 de jul.
- 3 min de leitura
Às vezes, crescer é aprender a conviver com um vazio que não tem nome

De vez em quando, o cinema nos olha nos olhos — sem pedir licença — e diz que é hora de sentir. Close é isso. Um abraço interrompido. Uma infância que se parte. Um silêncio que pesa mais que qualquer grito.
Nos primeiros minutos, tudo parece leve, quase suspenso no ar: a amizade intensa e bonita entre Leo e Remi nasce entre os campos, flores e risadas. Um vínculo puro e sensível, construído com gestos simples, tardes longas, a liberdade da pré-adolescência. Aquela fase em que o mundo ainda não cobra uma definição, mas já começa a apontar dedos.
Mas logo o que era leveza se transforma. Esse gracioso vínculo começa a ser quebrado de maneira repentina por comentários maldosos na escola — murmúrios carregados de preconceito, que se infiltram como veneno. A infância, esse território que deveria ser sagrado, é invadida. E a liberdade de ser quem se é começa a se diluir entre olhares desconfiados e acusações silenciosas.
O diretor Lukas Dhont — o mesmo do impactante Girl — não filma respostas. Ele filma o que paira no ar. A dor que não tem nome. As transformações que se impõem antes da compreensão. Close não se explica. Ele se sente. E mesmo nos momentos mais silenciosos, há tanto a ser dito que as palavras não dariam conta.

Filmes assim, que entrelaçam emoção e realidade, têm algo de raro. Você assiste e, sem perceber, os sentimentos dos personagens passam a ser seus também. E no fim, já não há mais distinção entre quem está dentro da tela e quem está fora. É como se o próprio corpo tivesse atravessado o que se viu.
Leo tenta entender. Remi tenta continuar sendo. Mas o mundo — esse mundo que oprime o que é diferente, que rotula, que julga — não dá trégua. E o que era abrigo vira ausência. Vira um vazio. Um luto que não encontra espaço para existir.
Cada cena do filme é meticulosamente desenhada para tocar — mas nunca de forma apelativa. A beleza dos campos, a luz difusa, o som abafado dos dias depois da perda… tudo serve para endossar com delicadeza o modo como somos moldados por padrões e julgamentos alheios. Padrões esses que, com o tempo, vão tirando de nós aquilo que tem valor inestimável: a liberdade de sentir, de amar, de existir sem medo.
Eden Dambrine entrega uma das atuações infantis mais comoventes dos últimos anos. Há uma verdade cortante em seus olhos, um tipo de dor que não deveria pertencer a uma criança — mas que, ainda assim, está ali, viva, pulsando. Sua performance é um tormento calado, uma súplica muda. Gustav De Waele também carrega o filme com intensidade serena, deixando marcas profundas mesmo nos momentos mais etéreos.
A trilha de Valentin Hadjadj atua como propulsor emocional, intensificando cada movimento, mas sempre com sutileza. Como quem sabe que a dor não precisa de volume — ela só precisa de espaço.
Talvez a grande força de Close esteja justamente aí: na recusa em transformar a narrativa em um festival de conflitos explícitos. Ao invés disso, Dhont mergulha no entendimento, na escuta, na contemplação. É um cinema de silêncio. De respiro. De pausa. E é exatamente nesse lugar que ele encontra profundidade.
A perda da inocência infantil, tema central do filme, não vem com grandes cenas ou reviravoltas. Ela chega devagar, como quem não quer ser notada. E é por isso que dói tanto. Porque parece real. Porque é real. E porque muitos de nós já sentimos algo parecido — mesmo que não tenhamos dado nome.

Poucos filmes têm a coragem de permanecer no não dito. De sustentar a dor sem resolvê-la. De não oferecer catarse. Close cumpre esse papel com uma delicadeza brutal. Ele não consola. Ele não conforta. Mas oferece um espelho. E esse espelho, por mais difícil que seja encarar, nos devolve a humanidade que muitas vezes esquecemos no caminho.
Ao fim, o que resta não é só a lembrança de uma amizade perdida, mas a marca silenciosa daquilo que foi e não pôde continuar sendo. O filme permanece martelando ali, em algum canto da mente, por dias. E mesmo quando a tela escurece, ele ainda respira dentro da gente.
…porque há histórias que não terminam quando o filme acaba.

Trailer:
⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
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