As mulheres nas canções do Oasis: amor, cuidado e o imaginário afetivo de Noel Gallagher
- Marcello Almeida
- há 17 horas
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Há uma força que só existe no feminino, e é nela que tantas canções encontram abrigo

Oasis sempre foi lido como uma banda de homens: bravura, conflito, pubs, Manchester, postura, arrogância. Mas por trás dessa casca dura, existe um gesto íntimo que muitas vezes passa despercebido, o lugar que as mulheres ocupam no coração das músicas escritas por Noel Gallagher. E é curioso: quanto mais se olha para essas canções, mais se percebe que elas funcionam como pequenas janelas de afeto, cuidado e delicadeza num universo sonoro que, à primeira vista, parece todo construído sobre pedra.
Em “Slide Away”, por exemplo, Noel escreve como quem tenta segurar algo precioso antes que escape por entre os dedos. Existe ali uma urgência quase adolescente, um amor que não se aceita pequeno, que se debate contra o tempo, que implora por espaço no meio do caos. É uma canção que trata a mulher não como idealização, mas como ponto de equilíbrio, a única coisa capaz de tornar a vida suportável quando tudo o resto desmorona.
Já “Talk Tonight” é outra chave emocional. É confissão pura. É Noel despido do personagem, falando com alguém que literalmente o tirou do abismo num momento de exaustão e desorientação. Ali, a figura feminina é refúgio, é cuidado, é pausa. É a pessoa que escuta, que acolhe, que segura o peso que o mundo coloca nos ombros de quem vive entre turnês, noites longas e a sensação constante de estar perdido. É talvez a música mais honesta que ele já escreveu, e só existe por causa dela.
“Songbird”, escrita por Liam, é um caso à parte. É uma canção curta, simples, quase ingênua. Mas é tão desarmada, tão sem filtro, que diz mais sobre amor do que muitos poemas longos. Ali, a mulher aparece como presença leve, quase espiritual, uma espécie de sol depois da tempestade. A metáfora do pássaro não é pequena: é liberdade, é renascimento, é uma alegria que não precisa se justificar. E quando Liam escreve com o coração, sem o cinismo habitual, o resultado é sempre devastador.
“Let There Be Love” vai por outro caminho. É menos pessoal e mais universal. Uma espécie de oração laica sobre a necessidade de ternura num mundo endurecido. A mulher aparece ali como destino e como possibilidade, como luz que permite que a humanidade respire. É Noel abraçando a vulnerabilidade com a maturidade que só chegou depois de tantas guerras internas, externas e familiares.
E é impossível falar disso tudo sem citar “Wonderwall”, talvez a mais famosa de todas. A música que virou rito de passagem emocional para milhões de pessoas. E por mais que Noel, ao longo dos anos, tenha relativizado significados, o que importa é o que ficou na cultura: a figura feminina como porto seguro, como aquela pessoa que finalmente “salva” você de si mesmo. Não como ideal romântico, mas como presença que devolve sentido às coisas quando nada mais parece fazer sentido.
No fim das contas, as mulheres nas músicas do Oasis não são musas distantes nem personagens perfeitas. São pessoas que sustentam, que reacendem, que cuidam. São memórias de amor real, amor que falha, que salva, que dói, que cura. Amor que reconfigura uma vida inteira. E talvez seja por isso que essas músicas atravessam gerações: porque todo mundo já teve alguém que funcionou como “talk tonight”, como “songbird”, como “wonderwall”.
Noel escreveu canções como quem tenta preservar um instante antes que o mundo o destrua. Liam cantou amor como quem segura o pouco de leveza que encontrou. E nós, ouvintes, completamos o que falta, colocando nossas próprias histórias entre uma linha e outra. No final, essas mulheres, reais, simbólicas, imaginadas, são parte do que fez do Oasis não apenas uma banda que cantamos, mas uma banda que nos traduz.











