Morumbis, dia 22: o que fomos, quem somos e o que o Oasis ainda desperta em nós
- Marcello Almeida
- há 2 dias
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Há noites em que uma cidade inteira parece lembrar quem sempre foi

O Morumbis viveu algo que não acontece todo dia. Uma explosão, uma efervescência que tomou conta do ar antes mesmo das luzes acenderem. Oasis subiu ao palco diante de quase 70 mil vozes reunidas, apaixonadas, eufóricas, alinhadas numa mesma energia, como se fossem uma só, como se o estádio inteiro respirasse no mesmo compasso. Não era apenas um show. Era um reencontro. Era história voltando à pele.
Havia um arrepio que atravessava as arquibancadas. E não era só pela música. Era pelo que ela carregava. Pelos anos que passaram. Pelas pessoas que mudamos. Pela memória que nunca foi embora. Quando os irmãos Gallagher apareceram, parecia que todo mundo ali entendeu, de repente, que certas coisas não pertencem ao tempo, pertencem à gente.
Aquela arrogância estética que sempre marcou os dois, o jeito de andar, a postura inclinada, o olhar que não pede licença, ganhou outra dimensão ali. Não era provocação. Era identidade. Era força herdada das ruas de Manchester, de onde sempre vieram mais cicatrizes do que promessas. Liam incendiando, Noel construindo. Dois modos de existir que, de alguma maneira, sempre conversaram com lados diferentes de cada um de nós.
E é por isso que a comoção desse sábado foi tão grande. Porque cada pessoa no estádio carregava sua própria história com a banda. Tinha quem estivesse ali lembrando da adolescência, do primeiro CD, das tardes em que “Live Forever” parecia maior do que qualquer obstáculo. Tinha quem levasse consigo perdas, recomeços, cicatrizes que só algumas canções conseguem tocar sem machucar. Tinha quem estivesse vivenciando tudo pela primeira vez, como se estivesse chegando atrasado a um culto emocional que o mundo inteiro já conhecia.
Oasis sempre funcionou assim: como uma bússola íntima. Uma forma de lembrar que, mesmo quando tudo pesa, ainda existe algo capaz de nos erguer por dentro. No Morumbi, isso ficou evidente. As vozes subiam, se encontravam, se misturavam até não ser possível distinguir quem cantava mais alto: o público ou a própria banda. E foi ali que o estádio inteiro percebeu que não estava apenas ouvindo músicas, estava reconhecendo partes esquecidas de si mesmo.
Talvez esse seja o poder real dos Gallagher. Eles construíram um imaginário pop baseado em presença, firmeza, coragem de assumir grandeza. Mas, por trás dessa postura inabalável, sempre existiu humanidade demais. E o público brasileiro sente isso. A gente reconhece o orgulho ferido, o sonho grande demais para o bolso, a vontade de provar algo para o mundo. A gente entende porque essa insolência virou estilo, virou símbolo, virou mito.
O show dessa noite não foi sobre nostalgia. Foi sobre pertencimento. Sobre olhar para os lados e perceber que milhares de pessoas que você nunca viu na vida carregam emoções parecidas com as suas. Foi sobre entender que o que fomos ainda nos habita, e que o que somos hoje também cabe dentro dessas músicas.
Nos instantes finais, havia uma coisa no ar que não era silêncio nem euforia: era a sensação de que algo tinha sido devolvido a cada pessoa ali, algo que não dá pra nomear, mas todo mundo sentiu.
E é por isso que o Morumbi, nesta noite emblemática, não foi apenas um estádio. Foi um espelho. Um abraço. Uma lembrança. Um renascimento.Porque, no fim, Oasis continua despertando em nós aquilo que nunca deixou de existir, mesmo quando tentamos esquecer.











