O que o Oasis nos ensinou sobre ambição, classe e pertencimento
- Marcello Almeida
- há 13 horas
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Algumas origens não limitam, elas inflam

Algumas cidades não criam bandas, criam sobreviventes. E Manchester sempre foi uma dessas cidades. Antes de ser música, o Oasis foi contexto. Manchester não era um cartão-postal: era cimento, chuva, desemprego, fábricas que fecharam, ruas largas demais para sonhos tão pequenos e uma juventude que cresceu entre o barulho das máquinas e o silêncio do que faltava. Era o fim dos anos Thatcher, uma Inglaterra partida em dois, onde a classe operária tentava viver com o que a política tirava dela. Nesse cenário cinzento, nasceu uma das histórias mais improváveis da cultura pop.
O Oasis veio da sensação de não ter nada. Talvez por isso tenha dito ao mundo, com uma convicção quase insolente, que poderia ter tudo. A banda é, antes de qualquer acorde, uma resposta àquilo que disseram que eles não seriam. Em Manchester, sonhar alto não era luxo. Era resistência. E essa é a primeira lição: quando você cresce ouvindo que seu lugar é pequeno, você aprende a gritar mais alto.
A banda não pediu licença para existir. Chegou dizendo “olha pra mim”, “ouve isso”, “eu mereço estar aqui”. Não por ego, mas por sobrevivência. Era um orgulho que nascia da rua, dos pubs cheios de trabalhadores, do futebol que funcionava como religião, da vida que se equilibrava no fim de semana. O Oasis levou para o mundo o sotaque da classe operária, e isso, por si só, já era uma revolução. Pela primeira vez, muita gente ouviu um britpop que não vinha polido, arrumado, intelectualizado demais. O Oasis soava como o norte da Inglaterra sempre soou: direto, áspero, sincero.
E aí entra o pertencimento. O Oasis não pertencia ao mainstream. O mainstream é que teve que pertencer aos Gallaghers. Eles carregaram nas costas uma cidade inteira, uma história de derrota e renascimento. Isso ressoa em qualquer pessoa que já sentiu o peso da própria origem, que já tentou ocupar um espaço onde diziam que ela não cabia, que já lutou para ser vista num mundo que insiste em ignorar quem não nasceu no centro.
E é justamente aí que entra a minha relação com os Gallagher. Eu nunca consegui escolher só um deles. Sempre vi nos dois uma espécie de espelho trincado, Noel tentando organizar o mundo pelo raciocínio, Liam rasgando ele pela emoção. E, de alguma forma, eu sempre me senti um pouco dos dois: parte que constrói, parte que queima. Talvez seja por isso que essa banda me atravessa tanto. Não são só músicas; são maneiras de existir.
É por isso que a banda fala tanto ao Brasil. Porque a gente também vem de lugares apertados. Também aprende a construir dignidade no improviso. Também conhece invisibilidade. Também sabe o que é sonhar sem estrutura, sem garantia nenhuma — e seguir em frente mesmo assim. Há algo profundamente brasileiro naquela mistura de bravura e vulnerabilidade que sempre existiu nos Gallagher.
O Oasis nos ensinou que a ambição não é arrogância quando a vida foi dura demais. É apenas o modo que alguns encontram de não desaparecer. Nos ensinou também que ter orgulho da própria história, da quebrada, da fábrica, da rua, do passado que nem sempre foi bonito, é mais transformador do que qualquer etiqueta cultural. Manchester moldou a banda, mas a banda devolveu ao mundo uma lição que serve para qualquer um: você não precisa negar de onde veio para chegar onde quer estar.
No fim das contas, o Oasis nunca foi só sobre fama, brigas ou vaidade. Foi sobre ambição nascida da falta, classe transformada em voz, pertencimento conquistado na marra. E talvez seja por isso que, tantos anos depois, Manchester ainda ecoe dentro da gente. Porque todos carregamos um pedaço daquela cidade que sonhou alto demais para caber nas próprias ruas, e mesmo assim tentou.











