Mani, a espinha dorsal invisível que fez o rock britânico tremer
- Marcello Almeida
- há 16 horas
- 3 min de leitura
Às vezes, um baixo muda tudo antes mesmo de você perceber

E todo mundo que ouviu sabe: havia algo ali que não se repete.
Gary “Mani” Mounfield nunca precisou estar na linha de frente para ocupar o centro do palco. Ele era aquele tipo raro de músico que redefine uma banda sem precisar de um microfone. Bastava a mão direita, o groove, o pulso. Bastava existir. E quando ele existia — em I Wanna Be Adored, She Bangs the Drums, Fools Gold — o rock britânico ganhava ossatura. Ganhava profundidade. Ganhava alma.
A notícia de sua morte, aos 63 anos, rasga um silêncio estranho no coração da cultura pop. Não é apenas a despedida de um baixista. É o adeus a um dos arquitetos invisíveis do som de Manchester. Um homem que fez a ponte entre o pós-punk, o psicodelismo, o acid house e a ousadia de uma geração que decidiu reinventar tudo.
Mani era movimento. Era vibração. Era a cola entre mundos.Aos 16 anos, quando deixou a escola para se jogar de vez na música, ele talvez não soubesse, ninguém sabia, que estava prestes a entrar para a história. Mas quando os Stone Roses surgiram, no final dos anos 80, não estavam apenas lançando um álbum. Estavam inaugurando um estado de espírito. Um jeito de caminhar pelas ruas, de falar, de sonhar, de pensar. Um som que parecia suspenso no ar, mas que tinha no baixo de Mani o peso exato para não desabar.
O disco de estreia, de 1989, mudou vidas. Criou carreiras. Abriu portas para o britpop. E Mani estava lá, firme, profundo, guiando o fluxo. Ele tocava como quem pisa em água: deixando ondas que nunca param de se propagar.
Quando os Roses acabaram, em 1996, Mani não perdeu o eixo, e talvez seja isso que o transforma numa figura tão singular. Ele seguiu. Recomeçou. Se reinventou com o Primal Scream, outra banda que nunca temeu se jogar na fronteira do caos. Ali, seu baixo encontrou novas texturas, novas cores, novas febres. XTRMNTR, Vanishing Point, Evil Heat — Mani fazia tudo vibrar. O rock virava eletrônica. A eletrônica virava política. A política virava ritmo. E no fundo de tudo, lá estava ele, conduzindo o pulso.
Poucos músicos conseguem atravessar gerações com essa leveza. Poucos influenciam tanta gente sem fazer alarde. Poucos deixam um legado tão sólido quanto discreto.
Por isso a morte dele bate tão forte. Porque Mani representava algo que não se constrói mais: um músico puro, sem persona, sem cálculo, sem filtro. Um cara que tocava como se estivesse conversando com o mundo, e o mundo respondia.
Liam Gallagher, que raramente demonstra vulnerabilidade, chamou Mani de “herói”. E não é exagero. Não é hipérbole. É fato. Todos que passaram por Manchester, todos que tocaram guitarra olhando para os tênis, todos que esperaram o baixo entrar para saber para onde a música ia… todo mundo carregou um pouco de Mani consigo.
Hoje, o rock britânico fica mais silencioso. Mas não é um silêncio triste — é um silêncio reverente. Daqueles que precedem um agradecimento.
Porque, no fim das contas, o que Mani deixou não cabe numa notícia. Cabe numa geração. Cabe numa memória. Cabe em cada linha de baixo que nos atravessa até hoje, como se dissesse: “Foi isso. Eu dei tudo. Agora sigam em frente.”
E seguimos. Sempre guiados por ele.











