Por que ainda ouvimos “Don’t Look Back in Anger", do Oasis
- Marcello Almeida
- há 1 dia
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Há músicas que nos ensinam a perdoar o tempo; “Don’t Look Back in Anger” é uma delas

Pegando carona na vinda do Oasis ao Brasil, vamos falar de uma das canções mais emblemáticas dos irmãos Gallagher, lançada no icônico (What’s the Story) Morning Glory?, de 1995 — um disco que, por si só, falava sobre os anseios e desejos de uma geração sedenta por uma resposta e um alívio diante do caos.
Os irmãos Gallagher, que ficaram conhecidos não apenas por suas canções agridoces, mas também pela arrogância luminosa dos anos 90, que fez do Oasis um símbolo máximo do britpop e de uma geração que acreditava poder mudar o mundo com guitarras e insolência, revelaram seu lado mais humano. Com “Don’t Look Back in Anger”, Noel escreveu não apenas uma canção, mas um gesto de redenção, um convite à calma em meio ao ruído.
“Slip inside the eye of your mind…” — mergulhe no fundo da sua mente. A frase soa como um sussurro, uma provocação espiritual disfarçada de hino rock. Noel propõe uma revolução íntima, daquelas que começam de dentro, talvez mesmo da cama, como ele canta em “I’m gonna start a revolution from my bed”. É o rock olhando para si com humildade, percebendo que mudar o mundo começa por mudar o próprio coração.
O título da música dialoga com a peça Look Back in Anger, de John Osborne, símbolo da rebeldia britânica dos anos 50. Mas Noel vira o espelho e sugere o oposto: não olhe para trás com raiva. O passado, ele parece dizer, não é um inimigo, é um mestre.
E então vem Sally.
Um nome escolhido apenas pela sonoridade, mas que se tornou universal. “So, Sally can wait…” — todos temos uma Sally. Uma lembrança que ficou, alguém que não voltou, um sonho que não se realizou. A canção, em sua simplicidade, nos ensina a deixar ir, a aceitar a perda com dignidade, a seguir adiante com leveza.
Com o tempo, “Don’t Look Back in Anger” ultrapassou o britpop, a banda e as brigas de irmãos. Quando Manchester chorou em 2017, após o atentado, foi ela que ecoou entre as vozes anônimas da multidão. De hino de um tempo, virou hino de um povo. Naquela noite, Noel não precisou dizer nada, o público disse tudo por ele.

Hoje, a canção carrega o mesmo poder que tinha em 95 — talvez até maior. Ela equilibra nostalgia e esperança, fala de perda, mas também de paz. É o Oasis sem a arrogância, é Noel sem o escudo da ironia, e, por isso, é tão verdadeira. Talvez carregue ainda mais simbologia neste momento de reencontro: os irmãos abraçados, de mãos dadas no palco, e a gente sabe o peso disso. É como se essa força ressurgisse das profundezas da alma, mas trazendo algo inédito, algo novo.
Os irmãos Gallagher voltam mais maduros, mas a essência continua intacta: a música do Oasis ainda desperta pertencimento e união. O público que um dia se reconheceu nas suas letras agora se conecta com a banda de um lugar diferente — homens e mulheres de meia-idade que trazem lembranças e aprendizados, e uma nova geração que descobre hinos que atravessam o tempo, como se sempre estivessem ali, esperando para serem cantados.
Há espaço para a raiva e o otimismo, mas também para a introspecção e a empatia. O público de hoje não busca apenas a performance: busca conexão, emoção e pertencimento, sentimentos que o Oasis sabe provocar como poucas bandas no mundo conseguem.
Por que ainda ouvimos? Porque há dias em que o mundo pesa, e tudo o que precisamos é de uma voz dizendo: não olhe para trás com raiva. Porque seguimos tentando nos perdoar por aquilo que não deu certo. Porque ainda acreditamos — teimosamente — que é possível começar de novo.
Algumas músicas não passam. Elas permanecem. E essa permanece porque fala daquilo que nunca muda: o desejo humano de recomeçar.











