Anos 90: 10 discos (parte 5) que você precisa ouvir ou reouvir agora
- Marcello Almeida

- há 5 dias
- 7 min de leitura
A década em que a música encontrou novas formas de respirar

Os anos 90 foram uma década que respirava mudança. A música parecia atravessar o mundo como um raio, iluminando cada esquina da cultura pop com uma intensidade rara. Era um período em que o alternativo deixava de ser refúgio e se tornava linguagem global; em que guitarras sujas conviviam com beats eletrônicos, e a introspecção dividia espaço com a euforia. O grunge desmontava ilusões, o britpop reacendia a fé na canção pop, o trip hop mergulhava na melancolia urbana e a eletrônica redesenhava o futuro em tempo real.
Ao mesmo tempo, artistas buscavam verdade em meio ao caos: discos feitos na estrada, em quartos pequenos, em estúdios densos de emoção. Nada era neutro. Tudo era experimento, identidade, manifesto. Os anos 90 foram um terreno fértil onde cultura, tecnologia e sentimento se encontraram sem pedir permissão. Uma década viva, contraditória, profundamente humana, e que segue reverberando em cada nota que ainda tenta entender o mundo.
Belle and Sebastian – If You’re Feeling Sinister (1996)

If You’re Feeling Sinister é o sussurro que virou clássico. Enquanto os anos 90 explodiam em distorção, beats e manifesto, o Belle and Sebastian escolheu o caminho oposto: silêncio, delicadeza, literatura. Stuart Murdoch escreve como quem observa o mundo pela janela de um quarto frio em Glasgow, transformando fragilidades em narrativas íntimas, quase confessionais. O disco soa pequeno só na superfície; por dentro, é gigantesco em humanidade.
Em canções como “The Stars of Track and Field” e a faixa-título, há uma verdade que não grita — ela apenas existe, com a força de quem não precisa performar nada para ser profunda. If You’re Feeling Sinister é o abraço tímido dos anos 90, um indie folk que prefere contar histórias a fazer pose. Um daqueles discos raros que parecem conversar diretamente com o ouvinte, sem filtros, sem defesas. É leve, mas nunca raso; doce, mas nunca ingênuo. É a prova de que a sensibilidade também pode ser revolucionária.
Nirvana – Nevermind (1991)

Nevermind é o terremoto que redesenhou o mapa da música nos anos 90. Nada foi igual depois dele. Quando o Nirvana lançou esse disco, o rock alternativo deixou de ser subterrâneo e se tornou linguagem universal. Kurt Cobain, Dave Grohl e Krist Novoselic condensaram raiva, fragilidade e um humor ácido numa explosão de guitarras que soava íntima e coletiva ao mesmo tempo. Era o grunge gritando que o mundo estava cansado, e que não dava mais pra fingir.
“Smells Like Teen Spirit” virou símbolo de uma geração sem heróis, mas o disco vai muito além do hino. “Come as You Are”, “Lithium”, “In Bloom”, cada faixa é um retrato do caos emocional de Kurt, mas também um espelho para todo adolescente que não sabia onde cabia. Nevermind é cru e melódico, sujo e pop, triste e libertador. Um clássico porque não tentou ser clássico — apenas verdadeiro. E isso, nos anos 90, valia mais do que qualquer polimento.
Elliott Smith – Either/Or (1997)

Either/Or é a prova de que a dor pode sussurrar, e ainda assim atravessar tudo. Elliott Smith constrói aqui um universo inteiro com voz baixa, acordes mínimos e uma sensibilidade que parece sempre à beira do desmanche. Enquanto os anos 90 ferviam em distorção e euforia, ele seguiu pelo caminho inverso: a introspecção radical. O disco soa como um diário deixado aberto na mesa, cheio de confissões delicadas, frases quebradas e verdades que doem porque são ditas sem proteção.
Em “Between the Bars”, “Angeles” e “Say Yes”, Elliott transforma fragilidade em poesia. Nada é grandioso, mas tudo é imenso. Either/Or não busca espetáculo; busca honestidade. É o tipo de álbum que acompanha o ouvinte como uma presença silenciosa, aqueles discos que não mudam o mundo em volta, mas mudam algo profundamente dentro de quem escuta. Um clássico íntimo, eterno, humano até o osso.
Supergrass – I Should Coco (1995)

I Should Coco é a juventude engarrafada em 40 minutos de euforia. No meio da explosão britpop, o Supergrass aparece com um disco que não tenta ser maior do que é, e justamente por isso se torna gigante. É rápido, insolente, divertido, cheio de guitarras que parecem correr pelas ruas sob chuva fina. Gaz Coombes canta com a urgência de quem ainda não sabe o que é ter medo, e essa inocência elétrica é o coração do álbum.
Em faixas como “Alright”, “Caught by the Fuzz” e “Lenny”, o trio captura aquele momento específico da vida em que tudo é novo, exagerado e inevitavelmente caótico. I Should Coco é puro instinto, puro impulso, puro verão britânico comprimido em refrões. Um disco que não se preocupa em ser sério ou profundo; ele quer ser vivo, e é exatamente essa vitalidade que o transforma num clássico espontâneo dos anos 90.
New Order – Republic (1993)

Republic é o New Order tentando respirar depois do colapso. O fim traumático da Factory Records paira sobre cada faixa, e o disco nasce desse lugar de tensão, instabilidade e reinvenção forçada. A melancolia eletrônica que sempre marcou a banda aparece aqui mais polida, mais pop, mas carregando uma tristeza que escapa pelas frestas. Bernard Sumner canta como quem tenta manter a cabeça erguida enquanto tudo ao redor desaba, e a produção impecável transforma esse sentimento em paisagem sonora.
“Regret” é o grande farol, uma canção que mistura nostalgia e esperança com uma clareza quase dolorosa. Já faixas como “Ruined in a Day” e “World” revelam um grupo dividido entre o passado e o futuro, entre o club e a desilusão. Republic não é o New Order em festa; é o New Order em reconstrução. Um disco que, ao invés de celebrar, confessa. E justamente por isso, permanece tão vivo dentro da memória dos anos 90.
The Verve – Urban Hymns (1997)

Urban Hymns é a catarse elegante dos anos 90. Um disco feito no limite entre a redenção e o colapso, onde Richard Ashcroft canta como quem tenta segurar o mundo com as próprias mãos. Depois de anos flertando com o psicodélico e o caos, o The Verve aparece aqui mais melódico, mais amplo, mas nunca menos intenso. As canções parecem nascer de algum lugar entre a rua molhada e o céu aberto, carregadas de uma melancolia luminosa que só aquele fim de década entendia.
“Bitter Sweet Symphony” virou símbolo universal, mas o coração do álbum pulsa forte em faixas como “The Drugs Don’t Work” e “Sonnet”, onde Ashcroft entrega vulnerabilidade sem medo de soar grandioso. É espiritual sem ser religioso, épico sem perder a intimidade. Urban Hymns é o último suspiro romântico do britpop e, ao mesmo tempo, algo muito maior: um retrato emocional de uma geração que caminhava cansada, porém faminta por transcendência. Um clássico que continua tocando mesmo depois do silêncio.
George Michael – Older (1996)

Older é o som de um artista atravessando a dor para encontrar maturidade. Depois de turbulências pessoais, luto e uma batalha interna que se refletia na própria carreira, George Michael reaparece com um disco de beleza contida, feito de voz, silêncio e confissão. É soul, jazz, pop adulto, tudo impregnado de uma serenidade que só quem já caiu e levantou consegue transmitir. George canta com elegância, mas a elegância aqui não é pose: é cicatriz transformada em estilo.
Em faixas como “Jesus to a Child” e “Fastlove”, ele revisita traumas, desejos e memórias com honestidade devastadora. Cada arranjo é refinado, cada palavra escolhida com a precisão de quem finalmente se permite sentir sem medo. Older não é sobre espetáculo; é sobre humanidade. É George Michael reinventando a si mesmo pela via da vulnerabilidade, e encontrando, nesse processo, um dos discos mais profundos dos anos 90.
R.E.M. – New Adventures in Hi-Fi (1996)

New Adventures in Hi-Fi é o R.E.M. em movimento, literal e emocional. Gravado em hotéis, passagens de som, soundchecks e estradas durante a turnê de Monster, o disco captura a banda no seu estado mais cru e ao mesmo tempo mais expansivo. É um álbum inquieto, cheio de arestas, de experimentações que não pedem licença, de melancolia adulta que não precisa se explicar. Michael Stipe canta como quem registra o mundo em trânsito, anotando sentimentos antes que desapareçam no retrovisor.
Há grandiosidade em faixas como “E-Bow the Letter” e “Leave”, mas também uma intimidade quase documental em “Electrolite” e “New Test Leper”. Tudo soa vivo, imperfeito, honesto. New Adventures in Hi-Fi é o último grande suspiro da formação clássica, a soma de tudo o que o R.E.M. foi nos anos 90: político, poético, inquieto e profundamente humano. Um disco que não se acomoda em lugar nenhum, e por isso mesmo continua sempre em movimento dentro de quem o escuta.
The White Stripes – The White Stripes (1999)

The White Stripes é o nascimento de um terremoto minimalista. Jack e Meg White surgem no fim da década com um disco cru, barulhento e magnético, construído apenas com guitarra, bateria e uma urgência quase primitiva. Nada aqui soa datado. Ao contrário: é como se o rock tivesse sido reiniciado, voltando ao esqueleto, ao nervo exposto, ao instinto. Jack canta com uma fúria que parece saída de uma garagem tomada pelo calor, e Meg marca o tempo com uma simplicidade quase ritual.
Entre blues distorcido, punk de quintal e melodias que soam como gritos dentro de um quarto vazio, o álbum anuncia uma nova estética para os anos 2000, mas ainda carrega o espírito selvagem e experimental dos anos 90. É sujo, é direto, é visceral. The White Stripes é a semente de uma revolução: a prova de que duas pessoas, uma bateria e uma guitarra podiam reconfigurar o rock inteiro com pura intensidade.
Kraftwerk – The Mix (1991)

The Mix é o Kraftwerk revisitando o próprio futuro. No início dos anos 90, enquanto a música eletrônica explodia em novas formas, techno, house, rave, o grupo alemão decide regravar seus clássicos com a tecnologia da época, como quem atualiza um manifesto. O resultado não é uma coletânea, nem um simples remix: é uma reinvenção arquitetônica do som eletrônico, com precisão cirúrgica e um frescor que desafia o tempo.
Faixas como “The Robots”, “Computer Love” e “Trans-Europe Express” ganham nova vida, mais pulsante, mais limpa, mais hipnótica. É como se os pais da música eletrônica tivessem parado diante do próprio reflexo para confirmar o óbvio: tudo o que viria depois, do club ao pop — já estava ali. The Mix é história viva em movimento, uma ponte entre duas eras, a prova definitiva de que o Kraftwerk não só antecipou o futuro… como seguiu aperfeiçoando ele.















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