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Akira: Uma distopia cyberpunk atemporal

Foto do escritor: Marcello AlmeidaMarcello Almeida


Akira segue sendo um marco das animações japonesas

Akira
Imagem: Reprodução.

Lançado em 1988, Akira é mais do que um marco na história da animação japonesa; é uma obra que transcende seu tempo, redefinindo os limites da narrativa visual e ressoando de forma inquietante com os dilemas do mundo contemporâneo. Dirigido por Katsuhiro Otomo, que também assinou o mangá original, o filme situa-se em Neo-Tóquio, uma metrópole futurista reconstruída após um desastre nuclear.


A cidade é um organismo vivo em constante ebulição, encapsulando uma sociedade à beira do colapso, onde corrupção política, desigualdade social e fanatismo coexistem com as sombras de um passado traumático. Neo-Tóquio não é apenas um cenário, mas um personagem por si só, uma manifestação da degradação coletiva, carregada de simbolismo e de uma energia caótica que molda os protagonistas e suas escolhas.


No centro da trama está a relação turbulenta entre Kaneda e Tetsuo, dois amigos de infância que, no auge da juventude, encontram-se em lados opostos de um conflito que desafia não apenas os limites da amizade, mas a própria compreensão da humanidade. Kaneda, líder de uma gangue de motociclistas, é impulsivo e confiante, enquanto Tetsuo, reprimido e frágil, carrega uma crescente angústia que se transforma em algo muito mais destrutivo.


Imagem: Reprodução.
Imagem: Reprodução.

Quando Tetsuo entra em contato com o misterioso Projeto Akira, sua psique fragmentada explode, amplificando ressentimentos que, antes latentes, agora tomam dimensões apocalípticas. É impossível não enxergar no arco de Tetsuo um comentário sobre o impacto psicológico da opressão e das forças institucionais que esmagam o indivíduo.


A narrativa de Akira é ao mesmo tempo grandiosa e íntima, explorando questões filosóficas que vão desde a natureza do poder até a fragilidade da identidade humana. A transformação de Tetsuo é, em essência, uma parábola sobre a relação entre tecnologia e humanidade, mostrando como a busca desenfreada por controle pode levar à autodestruição.



Em um mundo obcecado por progresso e consumo, a história reflete um medo persistente: o de que nossas criações – sejam armas nucleares, tecnologias avançadas ou até estruturas sociais – eventualmente nos ultrapassem, desnudando as fragilidades que tentamos mascarar. Otomo enxerga o futuro como um espelho distorcido do presente, um alerta silencioso de que as escolhas de hoje moldam os desastres de amanhã.


Akira parece conversar abertamente com tudo aquilo que Thom Yorke e cia entregaram em OK Computer, em 97. Ambos capturam um desconforto essencial com o avanço tecnológico e o custo humano disso tudo. Em faixas como “Paranoid Android” e “Climbing Up the Walls”, o Radiohead dá voz à mesma angústia que Neo-Tóquio personifica: a desintegração emocional e social de um mundo que avança rápido demais, esmagando o indivíduo sob o peso de sistemas impessoais.


Imagem: Reprodução.
Imagem: Reprodução.

O trabalho técnico de Akira é absolutamente revolucionário, mesmo quando analisado sob a ótica do cinema atual. Cada frame da animação é uma obra de arte em si, com detalhes minuciosos que capturam tanto a opulência decadente de Neo-Tóquio quanto a tensão emocional de seus personagens. A paleta de cores vívida, os jogos de luz e sombra e o design sonoro visceral se combinam para criar uma experiência sensorial única, onde cada movimento da câmera ou explosão de energia psíquica ressoa como uma extensão da narrativa. A trilha sonora, composta por Shoji Yamashiro, amplifica essa imersão, unindo ritmos tradicionais japoneses a sons futuristas para evocar a dualidade entre o passado e o futuro.


Ainda que seja uma obra profundamente enraizada nos traumas do Japão pós-Segunda Guerra Mundial, Akira dialoga com questões universais que permanecem urgentemente relevantes. A crítica à manipulação política e à militarização excessiva ressoa em tempos de instabilidade global, enquanto os conflitos de Kaneda e Tetsuo capturam a vulnerabilidade de uma geração constantemente alienada por sistemas que prometem progresso, mas entregam apenas caos. A presença de cultos apocalípticos e figuras de autoridade ineptas reforça a desconfiança generalizada nas instituições, um tema que encontra paralelo em sociedades cada vez mais polarizadas e desconfiadas.


Apesar de sua atmosfera sombria e seu tom distópico, há em Akira uma espécie de otimismo subjacente, uma crença no comportamento e capacidade humana de se reinventar mesmo diante do caos. Neo-Tóquio pode ser uma ruína, mas também é um lugar de possibilidades, onde o potencial para um futuro diferente – ainda que incerto – permanece latente. O final ambíguo do filme, tão frequentemente interpretado como uma declaração de derrota, pode ser lido como uma oportunidade de recomeço, um convite para repensar os limites do que é possível, tanto no nível pessoal quanto coletivo.



Mais do que um espetáculo visual ou uma fábula de ficção científica, Akira é um estudo fascinante sobre a psique humana. É uma obra que explora as profundezas da fragilidade emocional, as consequências do poder descontrolado e o impacto devastador da alienação. Tetsuo não é apenas vítima das circunstâncias; ele é um reflexo de todos nós, de nossos medos e de nossa capacidade de criar monstros internos. A intensidade eletrizante da narrativa atinge um ponto crítico, oferecendo ao espectador uma jornada que não apenas entretém, mas também provoca, desafiando percepções e deixando marcas duradouras.


Revisitá-lo é mais do que um exercício de apreciação artística; é uma oportunidade de redescobrir suas camadas e de confrontar os medos e esperanças que ele desperta. Akira é, afinal, uma obra atemporal que continua a moldar a maneira como enxergamos o futuro – e a nós mesmos. Sua relevância persiste porque ele não se limita a responder perguntas; ele as expande, convidando cada geração a encontrar novos significados em suas complexas e brilhantes paisagens narrativas.

 

 

Akira


Ano: 1988

Gênero: Ação, Animação, Ficção Científica

Direção: Katsuhiro Otomo

Roteiro: Katsuhiro Otomo, Izô Hashimoto

Elenco: Mitsuo Iwata, Nozumo Sasaki, Mami Koyama

País: Japão

Duração: 124 min

 

NOTA DO CRÍTICO: 9,0

 








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