A Página do Relâmpago Elétrico: o disco que eternizou Beto Guedes como voz de Minas e do Brasil
- Marcello Almeida
- há 3 dias
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Beto Guedes, embora nascido em Minas, é de fato patrimônio do Brasil inteiro — e, quem sabe, do mundo

A música não foi apenas uma escolha para Beto Guedes — ela veio de berço, atravessando gerações, pulsando nas veias. Seu pai, Godofredo Guedes, não só tocava vários instrumentos, como os fabricava, dando a Beto uma herança rara, quase mística, de sons e inventividade. Mas foi na juventude que esse talento começou a se revelar, através dos primeiros grupos e projetos musicais que formou e integrou. O destino, porém, o reservaria para um palco maior, onde a história da música brasileira ganharia uma de suas páginas mais luminosas: o lendário Clube da Esquina.
Ao lado de gigantes como Milton Nascimento, Lô Borges e Flávio Venturini, Guedes não só fez parte desse movimento, mas ajudou a definir sua essência — uma mistura complexa, delicada e profundamente mineira de influências. Foi só em 1977, contudo, que ele assinou um capítulo singular com seu primeiro álbum solo, A Página do Relâmpago Elétrico, um disco emblemático que até hoje reverbera na cultura pop brasileira.
Esse trabalho é uma ponte entre o regional e o universal, uma viagem que passa pela poesia dos arranjos mineiros, pela irreverência do Tropicalismo, pelo frescor da Bossa Nova e pelos caminhos sinuosos do Rock Progressivo e da psicodelia, onde Beatles e seus ecos são uma presença constante e reverente. Produzido por Ronaldo Bastos e enriquecido por participações preciosas do Clube da Esquina — Toninho Horta, Flávio Venturini, Vermelho —, o álbum soa como se Beto estivesse recriando o seu próprio clube, só que agora eletrificado, ampliado, carregado de energia e significado.
Escutar A Página do Relâmpago Elétrico é ser tomado por um vento que sopra das serras de Minas Gerais, principalmente da sua terra natal, Montes Claros — um frescor melancólico que lembra a pureza e o impacto da voz de Bob Dylan ou Neil Young. É um refúgio em meio ao marasmo urbano, um encontro com a natureza interior, um convite à contemplação.
Logo na abertura, a faixa-título impressiona e enleva. Construída em parceria com Ronaldo Bastos, a música cresce lentamente, sustentada por um bandolim que toca como quem conta segredos, e violões que embalam a voz poética e única de Guedes. É uma canção que transpira sonhos e evoca paisagens oníricas, com nuances progressivas que lembram bandas como Eyes e até remetem à literatura de Euclides da Cunha, com seu Os Sertões, trazendo uma aura quase épica ao cotidiano.
Depois, Maria Solidária flerta delicadamente com a tradição brasileira, começando num baião que logo cede espaço ao Tropicalismo, num abraço suave à Bossa Nova. Composição de Milton Nascimento e Fernando Brant, a música reforça a marca do Clube da Esquina: um lugar onde gêneros se misturam, se reinventam, se elevam.
Entre as pérolas do álbum, a instrumental Chapéu de Sol se destaca por seu ambiente psicodélico e atmosférico — uma verdadeira viagem sonora que revela o experimentalismo do disco. Já Lumiar traz a voz do eu lírico comovente, entrelaçada a arranjos delicados, onde Beto canta sobre a urgência e a esperança, numa metáfora poderosa: “Estender o sol na varanda até queimar / Só pra não ter mais nada a perder”.
O conjunto dessas canções faz de A Página do Relâmpago Elétrico não só um registro da música mineira, mas um marco da identidade brasileira, uma expressão artística que transcende fronteiras e gerações. Beto Guedes, embora nascido em Minas, é de fato patrimônio do Brasil inteiro — e, quem sabe, do mundo.
Esse álbum permanece vivo, pulsante, como o próprio relâmpago que seu nome evoca — uma faísca elétrica que ilumina a história da música brasileira com poesia, alma e uma eletricidade que nunca se apaga.

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