The Great Escape: a grande transformação do Blur e um ponto de partida para caminhos mais ousados
- Eduardo Salvalaio
- hĆ” 19 horas
- 4 min de leitura
Blur certamente Ć© uma das bandas inglesas mais inglesas de todos os tempos

O ano Ć© 1995. Muita coisa acontecendo no cenĆ”rio musical, entre elas, a efervescĆŖncia do Britpop. Um ano prolĆfico em lanƧamentos. O mundo contemplava a chegada de discos excepcionais como Grand Prix do Teenage Fanclub, A Northern Soul do The Verve, Different Class do Pulp, entre outros. Ā
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O Blur estava lÔ. Parklife (1994) jÔ havia feito um 'estrago' e garantido um pouco mais de valor e reconhecimento a banda. O disco até hoje é tratado como um caleidoscópio britânico, sobretudo por trazer diversas referências que vão de Kinks até David Bowie. Cada faixa, um gostinho musical diferente para uma banda sem medo de seguir tanto pelo Pop-Rock como pelo Punk.
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The Great Escape chega exatamente em 1995. A capa com uma estratĆ©gica mensagem: um tripulante de uma lancha mergulha no alto mar num lindo dia de cĆ©u azul. Na contracapa, uma contradição: vemos os 4 integrantes vestidos de executivos. Seria realmente a grande fuga do Blur de seu passado? Muitas vezes penso que tal mensagem serve para nós mesmos, ouvintes: ārelaxe, meu caro! Tenha seus momentos de fuga, divirta-se!ā.
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O quarteto sempre tocou em assuntos do cotidiano, dos subúrbios, da vida moderna. Isso jÔ ficava totalmente expresso no segundo disco, Modern Life Is Rubbish (1993). Um grupo que não teve medo de criar uma aproximação bem próxima e fiel a seu público.
Blur certamente é uma das bandas inglesas mais inglesas de todos os tempos. Porém, não precisamos pensar no grupo apenas dentro de um panorama inglês. O quarteto é feliz ao capturar retratos/crÓnicas da vida/sociedade mundial em suas músicas, mesmo que muitas vezes o sentido chegue metafórico, poético, sarcÔstico ou até sisudo demais.
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Pense nesse disco chegando numa época sem streamings e sem facilidades tecnológicas. Lembro que, após uma reunião dominical entre amigos apaixonados por música, uma resenha de uma revista americana me convenceu a pedir o disco importado (confiava na banda depois que Parklife se tornou um dos meus discos preferidos).
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O receio de chegar algo abaixo de nossas expectativas, claro, nunca nos deixa tranquilos. PorĆ©m estava lĆ”, uma semana depois, curtindo as faixas folheando o belo encarte que a edição fĆsica possui. Com cifras, letras em bom tamanho, boa impressĆ£o, aquele capricho que o Blur nunca deixou de ter (e que jĆ” era presente nos trabalhos anteriores).
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The Great Escape, digamos, Ć© mais sombrio e melancólico se pensarmos na euforia que predomina em Parklife. āBest Daysā, āThe Universalā e āHe Thought of Carsā nĆ£o nos deixam mentir. Entretanto, interessante Ć© como a estrutura sonora dessas canƧƵes se processa. O grupo nĆ£o perde suas caracterĆsticas e ainda acrescenta texturas e camadas orquestradas/acĆŗsticas que apontavam para uma mudanƧa sonora que daria certo.
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āStereotypesā, o petardo Rock que abre o Ć”lbum, por sua vez, traz um peso necessĆ”rio, com uma guitarra poderosa que fica reverberando em nossas mentes. Lembro, inclusive, que certo crĆtico musical, num de seus reviews, citou essa abertura como uma das melhores da história da mĆŗsica junto com āSmells Like Teen Spiritā do Nirvana.
āCountry Houseā ficou logo conhecida. Um Pop-Rock alegrinho, com sopros, onde Albarn ironiza o milionĆ”rio moderno desiludido. Foi um dos vĆdeos que figurou na MTV na Ć©poca. Aqui, outro mĆ©rito da banda se consolidava: o poder de seus vĆdeos. NĆ£o Ć© Ć toa o sucesso do cativante clipe de āCoffee And TVā, onde contemplamos as aventuras de uma caixinha de leite que emocionou o mundo.
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Em sua marcante variedade, o Ć”lbum tambĆ©m chega com uma boa presenƧa eletrĆ“nica. Faixas como āTop Manā, āGlobe Aloneā e āEntertain Meā podem muito bem indicar que atĆ© mesmo o Krautrock serviu de influĆŖncia para a banda. Por que nĆ£o? Tanto que 30 anos depois, percebemos como Albarn conseguiu assimilar tĆ£o bem outras sonoridades e projetos musicais como a mĆŗsica Africana e a própria eletrĆ“nica do Gorillaz.
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A vibe Scott Walker de āThe Universalā ou mesmo o Pop performĆ”tico tĆpico do XTC que contagia āIt Could Be Youā significavam que a banda estava longe de dar adeus a sua forma de reverenciar o passado musical e de expor suas referĆŖncias e inspiraƧƵes. O Blur continua sendo um estilhaƧo da mĆŗsica britĆ¢nica atravĆ©s dos anos, embora muita coisa precise ser decodificada pelo próprio ouvinte.
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E o que dizer da reflexiva/exótica āErnold Sameā? Uma espĆ©cie de āArnold Layneā do Pink Floyd para tempos mais atuais? Ambos os personagens da história se olham para o espelho e sabemos que cada banda retratou bem o homem de seus devidos tempos, cada uma a seu modo particular e criativo.
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āDan Abnormalā Ć© um daqueles momentos descontraĆdos/excĆŖntricos que sempre existiu na caracterĆstica do quarteto. Na Ć©poca, talvez, sem sentido. Hoje, o sentido ganha outra dimensĆ£o: uma banda disposta a ousar, experimentar, abarcar outros territórios sonoros. Só depois de muito tempo tambĆ©m fui perceber que o tĆtulo da mĆŗsica Ć© um anagrama de Damon Albarn.
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Esse disco tem tanta importância que podemos dizer que foi um ponto de partida para mais transformações que viriam a seguir, outros trabalhos tão poderosos, distintos e influenciadores como Blur (1997) e 13 (1999). Um laboratório aonde a experiência foi levada adiante e continuou gerando bons resultados.
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Então, com toda essa tecnologia e vÔrios streamings, é preciso parar para ouvir The Great Escape. Faça essa fuga de sua rotina, mergulhe na sonoridade do Blur, sinta-se refrescado com uma banda que não dependeu apenas do Britpop para fazer seu nome. A criatividade, ecleticidade musical e o talento jÔ estavam, claro, inseridos desde aquele momento.
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Observação:
O disco vai receber uma reedição comemorativa de 30 anos. Saiba mais aqui.
