The Great Escape: a grande transformação do Blur e um ponto de partida para caminhos mais ousados
- Eduardo Salvalaio

- 3 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de set.
Blur certamente é uma das bandas inglesas mais inglesas de todos os tempos

O ano é 1995. Muita coisa acontecendo no cenário musical, entre elas, a efervescência do Britpop. Um ano prolífico em lançamentos. O mundo contemplava a chegada de discos excepcionais como Grand Prix do Teenage Fanclub, A Northern Soul do The Verve, Different Class do Pulp, entre outros.
O Blur estava lá. Parklife (1994) já havia feito um 'estrago' e garantido um pouco mais de valor e reconhecimento a banda. O disco até hoje é tratado como um caleidoscópio britânico, sobretudo por trazer diversas referências que vão de Kinks até David Bowie. Cada faixa, um gostinho musical diferente para uma banda sem medo de seguir tanto pelo Pop-Rock como pelo Punk.
The Great Escape chega exatamente em 1995. A capa com uma estratégica mensagem: um tripulante de uma lancha mergulha no alto mar num lindo dia de céu azul. Na contracapa, uma contradição: vemos os 4 integrantes vestidos de executivos. Seria realmente a grande fuga do Blur de seu passado? Muitas vezes penso que tal mensagem serve para nós mesmos, ouvintes: ‘relaxe, meu caro! Tenha seus momentos de fuga, divirta-se!’.
O quarteto sempre tocou em assuntos do cotidiano, dos subúrbios, da vida moderna. Isso já ficava totalmente expresso no segundo disco, Modern Life Is Rubbish (1993). Um grupo que não teve medo de criar uma aproximação bem próxima e fiel a seu público.
Blur certamente é uma das bandas inglesas mais inglesas de todos os tempos. Porém, não precisamos pensar no grupo apenas dentro de um panorama inglês. O quarteto é feliz ao capturar retratos/crônicas da vida/sociedade mundial em suas músicas, mesmo que muitas vezes o sentido chegue metafórico, poético, sarcástico ou até sisudo demais.
Pense nesse disco chegando numa época sem streamings e sem facilidades tecnológicas. Lembro que, após uma reunião dominical entre amigos apaixonados por música, uma resenha de uma revista americana me convenceu a pedir o disco importado (confiava na banda depois que Parklife se tornou um dos meus discos preferidos).
O receio de chegar algo abaixo de nossas expectativas, claro, nunca nos deixa tranquilos. Porém estava lá, uma semana depois, curtindo as faixas folheando o belo encarte que a edição física possui. Com cifras, letras em bom tamanho, boa impressão, aquele capricho que o Blur nunca deixou de ter (e que já era presente nos trabalhos anteriores).
The Great Escape, digamos, é mais sombrio e melancólico se pensarmos na euforia que predomina em Parklife. ‘Best Days’, ‘The Universal’ e ‘He Thought of Cars’ não nos deixam mentir. Entretanto, interessante é como a estrutura sonora dessas canções se processa. O grupo não perde suas características e ainda acrescenta texturas e camadas orquestradas/acústicas que apontavam para uma mudança sonora que daria certo.
‘Stereotypes’, o petardo Rock que abre o álbum, por sua vez, traz um peso necessário, com uma guitarra poderosa que fica reverberando em nossas mentes. Lembro, inclusive, que certo crítico musical, num de seus reviews, citou essa abertura como uma das melhores da história da música junto com ‘Smells Like Teen Spirit’ do Nirvana.
‘Country House’ ficou logo conhecida. Um Pop-Rock alegrinho, com sopros, onde Albarn ironiza o milionário moderno desiludido. Foi um dos vídeos que figurou na MTV na época. Aqui, outro mérito da banda se consolidava: o poder de seus vídeos. Não é à toa o sucesso do cativante clipe de ‘Coffee And TV’, onde contemplamos as aventuras de uma caixinha de leite que emocionou o mundo.
Em sua marcante variedade, o álbum também chega com uma boa presença eletrônica. Faixas como ‘Top Man’, ‘Globe Alone’ e ‘Entertain Me’ podem muito bem indicar que até mesmo o Krautrock serviu de influência para a banda. Por que não? Tanto que 30 anos depois, percebemos como Albarn conseguiu assimilar tão bem outras sonoridades e projetos musicais como a música Africana e a própria eletrônica do Gorillaz.
A vibe Scott Walker de ‘The Universal’ ou mesmo o Pop performático típico do XTC que contagia ‘It Could Be You’ significavam que a banda estava longe de dar adeus a sua forma de reverenciar o passado musical e de expor suas referências e inspirações. O Blur continua sendo um estilhaço da música britânica através dos anos, embora muita coisa precise ser decodificada pelo próprio ouvinte.
E o que dizer da reflexiva/exótica ‘Ernold Same’? Uma espécie de ‘Arnold Layne’ do Pink Floyd para tempos mais atuais? Ambos os personagens da história se olham para o espelho e sabemos que cada banda retratou bem o homem de seus devidos tempos, cada uma a seu modo particular e criativo.
‘Dan Abnormal’ é um daqueles momentos descontraídos/excêntricos que sempre existiu na característica do quarteto. Na época, talvez, sem sentido. Hoje, o sentido ganha outra dimensão: uma banda disposta a ousar, experimentar, abarcar outros territórios sonoros. Só depois de muito tempo também fui perceber que o título da música é um anagrama de Damon Albarn.
Esse disco tem tanta importância que podemos dizer que foi um ponto de partida para mais transformações que viriam a seguir, outros trabalhos tão poderosos, distintos e influenciadores como Blur (1997) e 13 (1999). Um laboratório aonde a experiência foi levada adiante e continuou gerando bons resultados.
Então, com toda essa tecnologia e vários streamings, é preciso parar para ouvir The Great Escape. Faça essa fuga de sua rotina, mergulhe na sonoridade do Blur, sinta-se refrescado com uma banda que não dependeu apenas do Britpop para fazer seu nome. A criatividade, ecleticidade musical e o talento já estavam, claro, inseridos desde aquele momento.
Observação:
O disco vai receber uma reedição comemorativa de 30 anos. Saiba mais aqui.
















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