Temporada 3 de Round 6: série continua brutal, mas não tão fenomenal
- Eduardo Salvalaio
- 2 de jul.
- 4 min de leitura
Os jogos continuam trazendo aquele gostinho de infância, apesar de uma forma amarga e brutal

Atenção: texto sobre a Temporada 3 da série, contém SPOILERS!
Quando surgiu em 2021, Round 6 tornou-se um rápido fenômeno cultural. A série rendeu comentários fervorosos pelas redes sociais, gerou discussões e em sua mistura de Battle Royale com Jogos Vorazes, conquistou uma das melhores audiências da Netflix. Obtendo a mesma repercussão de série como LOST e Breaking Bad, era difícil não ver alguém comentado ao menos sobre o mortal jogo da ‘Batatinha Frita 1-2-3’ (que virou diversos memes depois).
A segunda temporada, cuja análise com SPOILERS pode ser conferida aqui, não teve o mesmo impacto, apesar de ainda oferecer inúmeras discussões acaloradas pela internet. Novos jogos e personagens, uma reviravolta brutal, até mesmo um final abrupto que não agradou muita gente. Mas, claro, tudo era para dar continuidade a uma terceira (e última?) temporada que estava por chegar.
Nota-se uma exaustão no roteiro da terceira temporada. Tanto que o artifício de promover uma votação entre um jogo e outro não trouxe novidades e acabou arrastando a narrativa. Se no início tenta promover uma própria guerra entre o grupo do sim e o do não, depois a ideia ficou maçante até porque sabíamos que o resultado sempre seria a favor da continuação dos jogos.
Numa determinada cena, um dos VIP’s diz que a votação estava mais empolgante que os próprios jogos. Seria uma ironia de Hwang Dong-hyuk, criador da série? Além disso, alguns episódios com mais de 1 hora ficaram cansativos ao perderem parte do tempo apenas para divulgar quais os grupos formados para o próximo jogo (como no esconde-esconde).
Outro lado ruim foram as subtramas. Kang No-eul (Park Gyu-young) que consegue se infiltrar como uma guarda das instalações dos jogos e o policial Hwang Jun-ho (Wi Ha-joon) em sua incansável busca pela ilha onde os jogos ocorrem não deram tanto fôlego a temporada de uma forma geral (talvez nos 2 últimos episódios, ainda de forma corrida).
O elenco foi um dos atrativos da série. Seong Gi-hun (Lee Jung-jae), o notório jogador 456, pode parecer apagado, contudo, ele é um homem transformado devido aos jogos anteriores e por seu plano de desmascarar os jogos não sair conforme esperado. Embora prefira ficar por um tempo em silêncio, Gi-hun agora está amadurecido, com uma personalidade ainda mais forte, moldado pelo que vivenciou e que conhece bem as trapaças e os vilões que o dinheiro fornecido pelo jogo pode jogar contra ele mesmo.

Os novatos garantiram momentos sensíveis, tristes e inesperados. Conseguiram trazer uma ligação forte com o espectador. O transgênero Cho Hyun-ju (Park Sung-hoon) certamente é um dos mais queridos. Por meio de sua compaixão e ternura, mesmo diante de sua força e resistência, tratou de proteger Jang Geum-ja (Kang Ae-shim) e Kim Jun-hee (Jo Yuri).
A relação mãe e filho entre Jang Geum-ja e Park Yong-sik (Yang Dong-geun) teve um desenrolar doloroso, apesar de bonito, memorável e até mesmo humorado. A importância da maternidade aqui ganhou realce, sobretudo quando algumas medidas brutais precisaram ser adotadas dentro de um cenário onde a humanidade é trocada pela brutalidade que nasce em meio a corações gananciosos e inescrupulosos.
Kim Jun-hee, a jogadora grávida, com seu desfecho trágico (diria até prematuro), também foi marcante e podemos pensar que é através de seu bebê que nosso querido jogador 456 volta a entrar realmente no jogo. Uma recém-nascida que incendeia ainda mais o jogo, inclusive pela regra abusiva adotada pelos organizadores (sim, o bebê também passa a ser um participante).
Os jogos continuam trazendo aquele gostinho de infância, apesar de uma forma amarga e brutal. Um esconde-esconde diferente com dois grupos distintos onde, para viver, é preciso achar uma saída crucial ou então matar (e mais uma vez, aqui a solidariedade era essencial, uma vez que 3 chaves distintas eram necessárias para abrir a porta).
Depois, dois bonecos gigantes que exigem que os participantes pulem corda. Não seria tão ruim, certo? Mas com apenas 25 jogadores e com a quantia ainda maior em jogo, sabemos que a corda é um dos menores obstáculos. Novamente, a união e a solidariedade seriam aspectos essenciais aqui, entretanto, os nervos estão à flor da pele e sabemos que o egoísmo sempre faz sua entrada.
O último jogo consegue segurar o espectador com um gancho excelente: os finalistas deveriam escolher 3 participantes para eliminar. E, ao contrário do último jogo da primeira temporada, aqui foi tudo mais para o lado psicológico do que para o físico. Seong Gi-hun, sabendo que seria um dos eliminados e precisando proteger a bebê, usa do convencimento, elabora uma estratégia verbal para seguir vivo. E funcionou até o jogador 333 não apelar para uma brutalidade hedionda e desnecessária.
Infelizmente, o desfecho da maioria dos personagens dos quais o espectador sentiu carisma acabou sendo o suicídio. A série tenta mostrar que no meio da ganância e do egoísmo, ainda existe o sacrifício, a compaixão pelo próximo e a intensidade de proteger quem mais gostamos, não importa os esforços realizados.
A estética visual da série continuou atrativa, colorida, repleta de símbolos e de mensagens sobre as críticas que deseja passar. A arena dos jogos, a junção do infantil e do perverso, os VIP’s milionários e soberbos que se regozijam com o sofrimento alheio, as diversas referências ao mundo das artes como as escadas para se chegar aos jogos que lembram a litografia Relatividade do holandês M.C. Escher. Neste aspecto, a série não falhou.

Num cenário de devedores e endividados, Round 6 trouxe personagens comuns de nossa realidade: trans, pais de família, mãe e filho, grávida, idosos, mulheres, jovens. A inserção do bebê pode ser forçada para alguns? É cruel, mas é real. Vale lembrar que o intuito maior é criticar a desumanização e a exploração do ser humano. E quando nascemos, já estamos inseridos nesse meio.
Embora não crie mais uma catarse poderosa e daqui um tempo possa até ser esquecida, Round 6 continua com suas críticas, com certas polêmicas e sua forma afiada de nos posicionar diante do capitalismo, das desigualdades e dos dilemas morais. O final em aberto e que sugere os jogos acontecendo em outros lugares (citaram uma versão americana no futuro) só prova que o ciclo continua e que o mundo está longe de fugir dos vícios que sempre o perseguiram.

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