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Por que ainda ouvimos “Lanterna dos Afogados” — Paralamas do Sucesso

Há músicas que não pedem para serem entendidas; elas apenas chegam e se alojam em um canto da alma

 Paralamas do Sucesso
Imagem: Reprodução

No final dos anos 80, o Brasil ainda navegava em águas turbulentas — a redemocratização dava seus primeiros passos, e uma geração buscava se reencontrar em meio a um país que tentava se curar de feridas antigas. Foi nesse cenário que Big Bang (1989), o quinto álbum dos Paralamas do Sucesso, chegou para renovar a cena do rock nacional, carregando na bagagem uma das canções mais sensíveis e simbólicas da música brasileira: Lanterna dos Afogados.



O título não é mero acaso. Herbert Vianna se inspirou no universo criado por Jorge Amado em Jubiabá — um bar fictício que servia de refúgio para marginalizados, um cais para almas perdidas. E, assim, a lanterna virou farol: uma luz para quem está à deriva, um ponto de acolhimento e esperança. A letra, delicada e forte, nos entrega a espera angustiante daqueles que permanecem firmes no cais, mesmo sem saber se o barco vai voltar. “Eu tô na lanterna dos afogados / Eu tô te esperando / Vê se não vai demorar” — um convite à paciência, um ato silencioso de amor.


A música não promete salvação, nem oferece soluções fáceis. Ela reconhece a solidão, a ansiedade e o desamparo, mas também fala de empatia e resiliência. “Mas já não me importa / Basta poder te ajudar” revela um compromisso que vai além do ego, um gesto genuíno de cuidar do outro, mesmo carregando suas próprias dores.


Musicalmente, Lanterna dos Afogados é uma balada que mistura a suavidade dos arranjos com a densidade emocional. Não há exageros, mas cada acorde, cada pausa, entrega uma melancolia que parece abraçar o ouvinte. É uma canção que não se impõe, mas se infiltra. Uma conversa baixinha, quase confidência.



E é justamente essa mistura de vulnerabilidade e força que mantém a música viva até hoje. Em tempos de pressa, onde o descartável domina, voltar a Lanterna é lembrar que a espera, o cuidado e o acolhimento ainda são formas poderosas de resistência. É um convite a ser porto, lanterna, luz para quem precisa — mesmo que o mar insista em ficar revolto.


Por isso, mesmo depois de tantos anos, a música não se apaga. Porque todos nós, em algum momento, somos os afogados — e também, quem sabe, a lanterna que insiste em brilhar.



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