Os 10 discos mais intensos de Bob Dylan
- Marcello Almeida
- há 2 dias
- 4 min de leitura
Tem discos que você ouve. Tem discos que te atravessam. E os do Dylan… os do Dylan te deixam mancando

Bob Dylan não faz música. Ele escreve cicatrizes. Cada disco é um pedaço do seu próprio dilúvio, um capítulo arrancado de um evangelho pagão onde o verbo não se fez carne — se fez ruína, se fez assombro, se fez revelação. Ele não canta pra entreter. Ele canta pra avisar. É um homem que parece ter vivido mil anos em silêncio e agora resolveu contar tudo — sem retoque, sem dó, sem filtro. E a gente escuta como quem abre uma carta antiga e percebe que o remetente era a gente mesmo, só que em outra vida.
Dylan nunca foi sobre voz bonita. Ele é sobre dizer o indizível. Sobre colocar na melodia o que não cabe no peito. Quando canta, parece que está cuspindo cacos de vidro, mas a gente agradece. Porque os cacos contam verdades que ninguém mais teve coragem de falar. E quando um disco dele acaba, você não está mais inteiro — mas está mais verdadeiro. É como se ele te empurrasse num abismo e dissesse: “Vai. A queda é tua. Mas o eco é meu.”
Aqui não tem ranking frio nem análise técnica. Isso é escolha com o coração latejando e o ouvido sangrando. São os 10 discos de Bob Dylan que mais nos feriram — e por isso mesmo, nos curaram. Discos que respiram, que sangram, que morrem e ressuscitam cada vez que você dá o play.
Porque ouvir Dylan não é uma experiência musical. É um pacto.
1. Blood on the Tracks (1975)

Esse disco não é sobre separação. É sobre recomeçar sem saber quem você é. Dylan abre o peito e se rasga em faixas que não pedem desculpas — elas colapsam, elas respiram entre os escombros daquilo que foi amor. “Tangled Up in Blue” é o amor atravessando o tempo como uma bala perdida. “Simple Twist of Fate” tem a dor que não grita, só toca.
Nunca foi tão pessoal, nunca soou tão universal. Esse disco é espelho — e você vai se ver nele, mesmo sem querer.
2. Highway 61 Revisited (1965)

Aqui, Dylan desce da montanha com as tábuas da nova lei: guitarra elétrica, poesia beat e caos sagrado. “Like a Rolling Stone” não é só uma música — é uma explosão, um exílio, uma sentença. Cada verso carrega o peso de um mundo desmoronando e renascendo em chamas.
Dylan vira profeta urbano, cuspindo visões de um país em combustão. Esse disco é uma estrada — e nela, todo mundo perde alguma coisa.
3. Blonde on Blonde (1966)

É o som de um homem desabando enquanto ri. Duplo, grandioso, delirante — esse disco soa como um romance febril escrito no meio da noite, com uma garrafa de uísque numa mão e uma máquina de escrever quebrada na outra. “Visions of Johanna” parece escrita em outra dimensão. “Sad Eyed Lady of the Lowlands” é uma oração de joelhos. É poesia líquida, escorrendo pelas rachaduras do tempo.
Um Dylan místico, alucinado, encantado — e absolutamente lúcido.
4. Time Out of Mind (1997)

Ele envelheceu — e decidiu escrever sobre isso. Um disco sombrio, úmido, cheio de silêncios. A voz virou caverna, a produção é neblina. “Not Dark Yet” é uma das músicas mais tristes já feitas, com aquele verso que dilacera: “It’s not dark yet, but it’s getting there.” Dylan encara a morte com ironia e serenidade. Não é drama. É constatação.
Um disco sobre viver com os ossos à mostra.
5. The Freewheelin’ Bob Dylan (1963)

Esse é o Dylan que saiu do subterrâneo de Nova York e mudou tudo. Só voz e violão — e uma urgência na garganta que parecia vinda de outro século. “Blowin’ in the Wind” virou hino, mas “A Hard Rain’s a-Gonna Fall” é profecia, é um trovão que nunca cessa. O menino já era velho. E o velho já era eterno.
Esse disco tem a força dos que acreditam, mesmo quando o mundo inteiro está ruindo.
6. Oh Mercy (1989)

Dylan ressurge das trevas com um disco etéreo, quente e fantasmagórico. Daniel Lanois transforma os arranjos em paisagens noturnas, enquanto Dylan canta como se estivesse voltando do inferno. “Most of the Time” é uma confissão disfarçada de negação. “Man in the Long Black Coat” soa como um conto de Edgar Allan Poe musicado em ruínas.
É um disco onde tudo está prestes a desaparecer — menos a voz.
7. Bringing It All Back Home (1965)

A faísca. O momento em que Dylan se despede do folk puro e mergulha no caos elétrico. Lado A elétrico, lado B acústico. Uma dualidade que espelha um artista em transição — e um país em ebulição. “Subterranean Homesick Blues” é o punk antes do punk. “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)” é o manifesto definitivo contra a hipocrisia.
Esse disco é faca e flor. É início do fim e fim do início.
8. Desire (1976)

Aqui, Dylan escreve como quem filma. As músicas têm rosto, suor, sangue. “Hurricane” é cinema político em 8 minutos de raiva e justiça. “Isis” parece um roteiro de mitologia moderna. Com Emmylou Harris nos backing vocals e um violino que arde como febre, esse disco mistura lenda, amor, exílio e revolução numa espiral sonora que não se explica.
Só se sente.
9. John Wesley Harding (1967)

Pós-acidente, Dylan vai pro campo. Desliga os amplificadores, liga os fantasmas. Um disco sóbrio, minimalista, onde cada palavra tem o peso de uma revelação. “All Along the Watchtower” nasceu aqui — e mesmo que Hendrix a tenha imortalizado, é com Dylan que ela assombra. Esse disco soa como Bíblia de bolso perdida no deserto. É espiritual sem ser religioso.
É silêncio entre dois vendavais.
10. Modern Times (2006)

O velho bardo voltou com dentes afiados e olhos risonhos. Dylan aqui brinca com o blues, o jazz, o swing e os escombros da América. “Thunder on the Mountain” abre o disco com soco. “Ain’t Talkin’” fecha com lamento apocalíptico. É um Dylan sábio, cansado, mas ainda letal. Moderno? Talvez. Atemporal? Com certeza.
Esse disco é o som de um homem que já viu tudo — e ainda tem o que dizer.
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