O amor nas entrelinhas do tempo: “Past Lives” e o que sobra de nós depois dos desencontros
- Marcello Almeida
- 7 de out.
- 3 min de leitura
Há amores que não acabam, apenas mudam de tempo

O cinema, às vezes, parece um espelho onde vemos a nossa própria vida piscando em câmera lenta. E há filmes que não apenas contam uma história, eles atravessam você. Past Lives, estreia delicada e madura de Celine Song, é um desses raros encontros entre o real e o imaginário. Um filme que não grita, apenas sussurra, e nesse sussurro faz o coração da gente se ouvir.
Celine constrói um romance sobre o que se perde e o que permanece — sobre o tempo que separa e o destino que insiste. Nora e Hae Sung são duas almas que se encontraram antes de saber o que era o amor e se perderam quando começaram a entendê-lo. Vinte anos depois, a vida os coloca frente a frente outra vez. E o que parecia passado, na verdade, nunca deixou de existir, apenas mudou de forma, de idioma, de país, de corpo.
A beleza de Past Lives está em sua simplicidade. Nos olhares demorados. Nas pausas. Nos diálogos que não precisam de explicação — porque há coisas que não se dizem. Song entende o amor como um gesto silencioso, como um “e se” que se estende por décadas. Quantos amores nós deixamos ir por medo, por tempo, por acaso? Quantas vezes olhamos para alguém e sentimos o peso suave daquilo que poderia ter sido?
O filme fala disso, e de nós. Dos amores que não cabem nas redes sociais, das conversas interrompidas no meio da rotina, dos reencontros que chegam tarde demais. A vida contemporânea tem essa pressa absurda que nos faz acreditar que tudo precisa ser vivido agora, imediatamente. Mas há afetos que não nascem do impulso, nascem da espera. Do que não foi dito. Do que o tempo, teimosamente, preserva.
Celine, com sua origem no teatro, sabe filmar o silêncio como quem escreve poesia. A câmera se move com ternura, como se abraçasse os personagens, e junto deles, abraçasse a solidão do espectador. A fotografia é quase um suspiro visual: cidades que dormem sozinhas, luzes que piscam como lembranças, ruas que guardam histórias. É como se o próprio espaço fosse cúmplice desses encontros que o tempo esqueceu de impedir.

E há algo de universal ali, aquela sensação de estar com alguém e sentir que o mundo inteiro se dissolve. De ouvir uma música e lembrar de um rosto. De perceber que certos laços são invisíveis, mas persistem. Past Lives é sobre isso: sobre a vida que seguimos mesmo quando uma parte nossa ficou em outro lugar, em outra pessoa, em outra vida.
No fundo, o filme é menos sobre o amor e mais sobre o tempo. Sobre como crescemos, nos adaptamos, fingimos que esquecemos. E como, em algum momento, algo ou alguém reaparece, e a lembrança nos lembra que a vida não é uma linha reta, mas um círculo. E que, às vezes, o amor não é destino, é memória.
A canção de Leonard Cohen, “Hey, That’s No Way to Say Goodbye”, surge como quem abre uma ferida antiga, mas suave. Porque o filme entende que o adeus verdadeiro nunca é cruel — ele é doce, imperfeito, humano. E, talvez, essa seja a maior beleza de Past Lives: mostrar que amar também é saber deixar ir, mas continuar lembrando.
No fim, a diretora nos devolve ao mundo real com a delicadeza de quem diz: “vá viver, mas não esqueça”. Porque cada relação, mesmo que breve, mesmo que inacabada, deixa algo em nós. Uma dobra no tempo. Um gesto. Um eco, uma saudade.
E talvez o que chamamos de amor seja justamente isso, o que fica, mesmo depois que tudo passou.

⭐⭐⭐⭐⭐
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